A guerra de Curvelo contra as muriçocas


Sílvio Ribas

Por décadas, Curvelo (MG) travou uma guerra contra um exército numeroso e obstinado. Como praga bíblica, nuvens de pequenos insetos alados invadiam todos os lares, desde os modestos aos abastados. Impiedosas, as muriçocas azucrinavam cidadãos de qualquer idade com os seus zumbidos irritantes e picadas insistentes, desafiando as famílias e as autoridades.

Os recursos da cidade para combater as insolentes e onipresentes muriçocas naqueles anos 1970 e 1980 tinham eficácia limitada, bem piores que os disponíveis hoje contra todo tipo de mosquito. Os pernilongos seguiam roubando nosso sono e cobrindo nossa pele de desagradáveis marcas da noite anterior. Era só chegar o verão para elas dominarem a área.

No embalo das chuvas e das altas temperaturas, milhões de pequenas criaturas voadoras emergiam das ruas, dos quintais e das profundezas da famosa grota, reduto pantanoso que se tornava, a cada estação, o seu principal foco de reprodução. A prefeitura até tentava reagir com óleo queimado e caminhões de fumacê. Mas as muriçocas resistiam sempre.

Dentro das casas, o arsenal era outro. Espirais de fumaça ardiam para espantar as danadas. Bombas de inseticida (Baygon neles!) eram acionadas como arma química. Tinha quem vedasse tudo com placas mosquiteiras desde o meio da tarde. Por fim, os charmosos cortinados cercavam nossas camas, mas ficavam inúteis quando a muriçoca atrevida achava um furinho.

Ainda me lembro das longas serenatas nos nossos ouvidos. Um concerto noturno de violinos desafinados tocava ao lado do tímpano. O bzzz... era o hino da insônia curvelana — e, com ele, vinham a coceira, os calombos vermelhos e o desfile matinal de moradores coçando-se com raiva. Mas não nos rendíamos fácil! Seguíamos tentando meios para conter a calamidade.

Antes dos repelentes de tomada e das raquetes elétricas, valia a nossa criatividade: folhas de eucalipto pelos cantos da casa, ventiladores estrategicamente posicionados para impedir pousos forçados, e, claro, a tradicional corrida para apagar as luzes e se esconder debaixo do lençol — uma estratégia que funcionava por uns 10 minutos... até o ataque seguinte.

Pior mesmo eram os vestígios de sangue deixados nas roupas de cama e nas paredes brancas — marcas estampadas pelos tapas certeiros ou pelas investidas com os velhos mata-mosquitos sobre as muriçocas de barriga cheia. A batalha sangrenta de Curvelo contra seu inimigo número um era uma epopeia coletiva, um teste de resistência de um povo. 

Naquela época, não convivíamos com as epidemias de dengue, zika e chikungunya, transmitidas pelo temido Aedes aegypti. Mas tínhamos nossa velha conhecida culex quinquefasciatus, que era mais que um inseto. Era uma entidade zombeteira que desafiava o descanso, a saúde mental e a paciência dos habitantes. Vencemos com urbanização e espírito guerreiro.

 

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