Marcha da insensatez

Sílvio Ribas

A sociedade brasileira acompanha estarrecida nessas últimas semanas mais um capítulo triste de um governo que é sinônimo de crise. A reforma ministerial anunciada hoje pela presidente Dilma Rousseff e negociada nas últimas semanas com caciques partidários envergonha a República. Titulares do primeiro escalão são demitidos, nomeados e realocados com o único propósito de prolongar o prazo de permanência da atual gestão.

Nove meses após o início de seu segundo mandato, a presidente Dilma intensifica movimentos que apenas coroam o pior exemplo deixado pela era do PT no poder. O vale tudo na troca de cargos por votos no Congresso Nacional corre solto e sacrifica as quase boas intenções que restavam no trato com o dinheiro público e no cumprimento das obrigações reservadas à mais alta autoridade do país.

Totalmente divorciada dos princípios republicanos e das promessas feitas aos seus 54 milhões de eleitores, a presidente se ajoelha perante os interesses partidários mais comezinhos, derruba as últimas cercas a separar o público e do privado e lança mão das práticas mais abjetas da pequena política. Dilma expõe agora sem qualquer retoque os arreganhos triunfantes de uma classe de indignos. Tudo para continuar onde está.

Tomemos o exemplo deplorável da pasta da Educação. A área social que, pelo menos como sugere a propaganda oficial, seria a prioridade máxima do governo Dilma 2, sob o slogan Pátria Educadora, foi colocada na cesta de moedas de troca. O esforço para construção de uma base política a qualquer custo tornou ainda mais secundária qualquer agenda de país. As três mudanças do nome do ministro da Educação em apenas 10 meses só tiveram como motivação a conveniência política.

Com isso, mais do que uma propaganda enganosa, a Pátria Educadora é o escárnio completo com a mera noção de planejamento. Os sinais contraditórios que vinham desmoralizando a presidente desde a campanha eleitoral e sobretudo após sua vitória nas urnas ganharam uma dimensão patética.

Sem capacidade de governar e propor qualquer rumo ao país, cumpre o script dos gananciosos aliados de ocasião que apenas cobiçam manter em pé os seus projetos pessoais e políticos. Aonde fomos parar! O despudor com que avançam sobre os postos de governo, de olho nas vantagens imediatas, solapa qualquer justificativa para um mandato popular.

Até mesmo diante de uma crise econômica sem precedentes, o governo não consegue elencar prioridades. A primeira, mais evidente, é ajustar as contas deste e do próximo ano, sem o qual a governabilidade derrete entre os dedos. A política econômica de horizonte curto é diariamente confrontada com a falta de apoio legítimo das ruas e do Parlamento. Contra isso, resta o velho fisiologismo e praga patrimonialista.

O que se espera de um chefe do Executivo é que ele planeje as suas ações, execute o seu plano conforme suas condições e, depois, avalie os resultados obtidos. Mas parece que os governos petistas, particularmente o Dilma 2, conseguiu a proeza de subverter a lógica administrativa e a mínima nesga de bom senso ao se comportar unicamente conforme as suas necessidades exclusivas e imediatas.

Seja apelando à indigência das ideias populistas ou se curvando às convicções ideológicas retrógradas – que não mais têm razão de existir na atual fase da história humana –, a presidente reduz as suas responsabilidades a mera formalidade.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: estaremos todos nós às vésperas de um epílogo, do desfecho decadente de um projeto espúrio de poder? O filósofo italiano Antonio Gramsci descreveu períodos como esse de interregno. Trata-se de um tempo de incertezas que anuncia, entre sombras, o fim de ciclo. Trata-se do intervalo histórico em que o modelo esgotado ainda não desapareceu totalmente e o novo ainda não emergiu. Vamos acompanhar os próximos capítulos dessa penosa novela.

A historiadora Barbara Tuchman, em sua magistral obra A Marcha da Insensatez analisa momentos históricos em que governantes ignoraram todos os alertas possíveis, gerando o caos como reação. É o que estamos vivendo hoje no Brasil. A aliança com o erro está a cobrar caro. Muito caro.

A desordem cotidiana e absoluta que o Brasil vive hoje, seja na política, seja na economia e seja nos desmandos morais perpetrados no ambiente do governo, é o resultado inevitável dessa marcha rumo à insensatez.

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