Uma chance para a indústria

Por Sílvio Ribas As perspectivas para a indústria em 2015 ainda não são boas. Mas empresários e analistas do setor mais combalido da economia brasileira, em retração há seis anos, enxergam no segundo mandato de Dilma Rousseff o começo de uma retomada. As razões disso estão nos sinais de mudanças no modelo econômico adotado durante a era petista e exacerbado na primeira gestão da presidente. Antes baseado em subsídios à produção e estímulos ao crédito, o novo ambiente tende a ser favorável ao investimento e às exportações, as trilhas da recuperação. Os dois novos motores da atividade manufatureira seriam viabilizados por um câmbio mais realista, com o dólar mais próximo de R$ 3, e pelo resgate da confiança dos agentes econômicos proporcionado pelo esperado ajuste fiscal. “O efeito cambial, benéfico para a competitividade da indústria, já está sendo implementado involuntariamente, com a tendência de valorização da moeda norte-americana em todo o mundo”, ressalta Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios. As vendas externas de bens de capital já avançaram 13% de janeiro a outubro de 2014, apenas com a variação cambial. Com o esgotamento de uma estratégia adotada desde o estouro da crise financeira global, em setembro de 2008, voltada para o protecionismo e para o estímulo artificial da demanda interna chamado pelo governo de política industrial, as fábricas brasileiras terão de encarar o saldo negativo da combinação de baixa produtividade, concorrência internacional acirrada e desaquecimento da economia mundial. “A desindustrialização dos últimos anos está evidente, com a produção de vários segmentos ainda sem restaurar o nível pré-crise”, observa Júlio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. A crise externa bateu diretamente no ramo manufatureiro e as medidas adotadas para reagir ao quadro adverso, como a desoneração da folha de pagamento, se tornaram inócuas. Sem o canal exportador e com a queda na demanda doméstica, os estoques se elevam, com efeitos na produção e no quadro de pessoal. Mais de um quinto dos produtos nas prateleiras do país são importados. Desde 2012, o deficit da indústria na balança comercial brasileira passou a marca anual de US$ 100 bilhões e segue piorando. A prova induscutível desse fenômeno veio do balanço mais recente do emprego no setor, feito pela própria indústria. Outubro último foi o 37° mês seguido de piora na comparação com igual período do ano anterior, com queda de 4,4% na ocupação, a mais intensa desde outubro de 2009, acumulando perda de 3% no ano. Houve também recuo das horas pagas e, pelo terceiro mês seguido, a renda declinou no acumulado em 12 meses. Estagnação Outra comprovação dos erros acumulados está situação do setor automotivo, cujas perdas nos mercados doméstico e internacional, refletidos em estoques elevados, contaminam o desempenho geral da indústria. O segmento foi o que mais recebeu ajuda do governo desde a crise de 2008, com desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estímulo ao crédito para a compra de veículos e medidas protecionistas que são hoje alvo da maior reclamação contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Quando se protege um setor produtivo na ponta da cadeia de valor, surge logo pressão política para proteger os demais segmentos desta cadeia”, anota Paulo Haddad, ex-ministro da Fazenda. Ele teme que a insistência na defesa isolada de ramos industriais consolide um “capitalismo de compadrio”. A readequação da indústria nacional à realidade carece, então, da superação do dilema entre proteger ou integrar a atividade ao resto do mundo, com foco no mercado externo. Para Mauricio Canêdo Pinheiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), a política industrial do país não estimula a sua autossuficiência, pois ainda se vale de benesses do Estado. Ele e outros economistas defendem o caminho da abertura comercial, tirando gradualmente barreiras contra importados, para expor diferentes segmentos à competição. Esse parece, inclusive, ser o pensamento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Importar mais para exportar mais é um lema colocado na mesa desde o choque da abertura promovida no governo Fernando Collor. O esforço para reativar o investimento direto vai depender, por sua vez, de uma abertura do governo em relação ao lucro perseguido pela livre iniciativa em concessões de infraestrutura e em projetos de Parcerias Público Privadas, as PPP. “O desejo do governo de que o setor privado invista com retornos baixos, cobrando tarifas menores possíveis, é inviável. Modicidade tarifária e investimento em larga escala não combinam”, comenta o consultor econômico Raul Velloso. Em relação à capacidade de a indústria brasileira competir internacionalmente, ele acredita que as perdas de posição no mercado doméstico são inevitáveis, tornando a proteção a certos segmentos produtivos uma forma de transferir recursos da economia para atividades que tendem a encolher. Flávio Castelo Branco, gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entende que, pelo menos por enquanto, a desvalorização do real é mesmo o maior alento para o setor. À medida que estoques baixarem e as exportações reagirem o cenário, o otimismo terá onde se agarrar, deslanchando no segundo semestre com os primeiros frutos do ajuste fiscal, ressalta ele. “Acreditamos num crescimento de 1% para o conjunto do setor em 2015, na mesma proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Vamos ter uma contribuição positiva do câmbio, que permitirá um superavit na balança comercial em 2015”, sublinha. 2014 fechou com recuo de 1,5%. Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, ressalta, contudo, que o dólar necessário para melhorar o humor dos executivos da indústria está acima de R$ 2,70. Ele também defende que o reequilíbrio das contas públicas seja alcançado mais pela via das despesas do que das receitas. Nesse sentido, promete lutar contra o aumento da carga tributária, com elevação de alíquotas e ressuscitação de impostos, como a CPMF. “Acreditamos ser possível realizar um ajuste fiscal capaz de reativar investimentos sem onerar ainda mais a produção e o poder de compra do trabalhador”, discursa. “O ajuste deve ter o corte do Orçamento como caminho principal”, acrescentou Castelo Branco. Modelos Economistas e líderes empresariais consideram a recuperação do peso da indústria na economia como fundamental para garantir crescimento econômico sustentável e, sobretudo, melhora contínua nos níveis e na qualidade geral do emprego e dos salários. O setor industrial respondia nos anos 1990 por cerca de 20% do PIB e hoje não chega a 15%, voltando aos níveis dos anos 1950. “Com o fim do modelo centrado no consumo, a indústria passa a ter papel fundamental no processo de tirar a economia brasileira do atoleiro”, salienta o economista Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente. Há especialistas que somam a essa observação o fato de que ainda continua faltando ações estratégicas e de longo prazo, como investimentos pesados em infraestrutura e educação e melhor ambiente de negócios. Isso sem falar nas reformas tributária e trabalhista presentes há duas décadas em todas as agendas das entidades patronais. As dificuldades são de natureza política e as soluções nunca chegam sem um bom atraso. “Outras agendas importantes ficaram, em um cenário econômico grave como o atual, em segundo plano. É o caso da promoção da capacidade inovadora da indústria, norte deste século, e da qualidade da mão de obra”, reforça Frischtak, da Inter.B. Ele lembra que na primeira década dos anos 2000, a taxa média de crescimento anual da produtividade brasileira avançou pouco mais de 1% ante uma média de 2,4% do restante da América do Sul. Enquanto a arrecadação em praças de pedágios e o registro, em determinado período, dos volumes de embalagens de papelão produzidos no país servem de termômetros para a atividade econômica brasileira, os artigos de plástico made in Brazil estão sendo considerados como um indicador da competitividade industrial. “A produção de transformados plásticos em 2014 recuou 2,7% na comparação com o ano passado, uma das maiores quedas em 15 anos”, lamentou José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Ele espera crescimento de 1% em 2014.

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