Mãos sujas

Por Sílvio Ribas Fotografias de momentos marcantes para um país ou mesmo de situações incomuns envolvendo autoridades costumam ter bem mais do que valor histórico. Algumas carregam o peso do sentimento de uma época ou da ideologia de um personagem. Esses são os casos, por exemplo, da famosa foto de Jânio Quadros com os pés enviesados ou do retrato icônico do guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Com a dominância do marketing político e da difusão da mídia eletrônica, esses registros memoráveis de fotógrafos, fruto do esforço profissional e de bênçãos do acaso, passaram a ser intencionalmente buscados e até obsessivamente produzidos para atender a propósitos pessoais e partidários. Ocorre que, ao buscar transformar um gesto ensaiado em uma imagem destinada às manchetes de jornais e ao imaginário popular, ocupantes do poder podem acabar caindo em armadilhas também simbólicas, levando a quadros trágicos e irônicos. Para mim, o exemplo acabado desse disparate são as poses que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva desempenhou em 2006 diante das lentes das câmeras vestindo uniforme da Petrobras e exibindo mãos sujas de óleo cru. Com suposto ardor cívico, repetiu conscientemente o gesto do então presidente Getúlio Vargas, feito em 1952, na cidade de Candeias (BA), onde discursou em favor do monopólio estatal e da criação da petroleira estatal. Para Lula, a ocasião serviria para celebrar a sonhada autossuficiência brasileira de petróleo. Quatro meses depois, a Petrobras anunciava que a média diária de produção era de 1,76 milhão de barris, inferior à meta de 1,88 milhão que garantiria tal independência. As refinarias processam óleo leve, mas das plataformas do país jorra óleo pesado. A incompatibilidade é resolvida exportando o pesado e importando o leve e seus derivados, bem mais caros. Em 2009, o ex-presidente voltaria a mostrar mãos borradas de ouro negro, sendo clicado carimbando as costas da então ministra Dilma Rousseff. Vargas sujou as mãos para mostrar que o Brasil tinha petróleo. Lula, que deu o seu nome ao gigantesco poço da Bacia de Santos (RJ) antes chamado de Tupi, refez a cena para, primeiro, evocar a falsa autossuficiência e, depois, para defender um marco regulatório que aumentou a responsabilidade da Petrobras e, ainda, criava outra estatal, a Petro-Sal. Agora, com o petrolão revelado, as mãos sujas podem ganhar outra conotação. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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