Descompromisso oficial

Por Sílvio Ribas Refeições hospitalares deixam de ser entregues a pacientes graves, motoristas e trocadores do transporte de massa tumultuam o trânsito ao cruzar os braços e caminhões da coleta de lixo deixam de circular pela cidade, gerando transtornos. De um dia para o outro, serviços essenciais custeados pelo contribuinte são suspensos por atraso nos pagamentos do governo do Distrito Federal, cujo caixa parece ter ficado sem dinheiro suficiente a pouco mais de um mês da troca de comando. Muito mais do que dificultar a transição no Executivo, esse quadro melancólico revela um Orçamento desconectado com necessidades básicas da população. No Palácio do Planalto, a prova de descompromisso de quem cumpre uma missão delegada pelo povo com as suas obrigações constitucionais se repete. Também sem dar esclarecimento convincente à população, o governo admite só nos momentos finais de 2014 que não poderá entregar o prometido para o ano. Numa cena pintada com cores surreais, alheia à rotina de uma democracia evoluída, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, declarou ao parlamento na terça-feira, sem gaguejar: a União terá o desempenho fiscal “que der para dar” e mudará a lei para acomodar os rombos ignorados. Para 2015, só se sabe que metas de gastos e de receitas também podem começar de um jeito e acabar de outro. Com o gesto de abandonar o prometido sem ter havido nenhuma situação negativa verdadeiramente inesperada, como uma guerra ou uma crise internacional de graves proporções, o governo desmoralizou de vez a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem sanções para o seu descumprimento, uma borracha é passada sobre planilhas e osdados são reescritos a lápis, ao estilo da extinta União Soviética com os seus cínicos e triunfalistas planos quinquenais. O problema é que a derradeira manobra pode ter desperdiçado a chance de a presidente Dilma Rousseff iniciar a restauração da credibilidade nos alvos econômicos que projeta. Pelo contrário, pode ter enterrado de vez a confiança neles. A desastrada gestão das contas públicas diz muito sobre o país que estamos construindo. Relações baseadas na ética, na confiança mútua, na transparência e nas bênçãos de instituições sólidas são também as mais vigorosas, reconfortantes e gratificantes. Por isso é que o descompromisso oficial com os cidadãos pode ser visto como desrespeito e um endosso à histórica má vontade dos brasileiros com os políticos. Fonte: Correio Braziliense de hoje

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