Produtividade é o nome do jogo

Sílvio Ribas Ainda é cedo para chamar os atuais distúrbios generalizados da economia brasileira de uma crise. Mas a deterioração dos chamados fundamentos macroeconômicos — que há até outro dia permitiam ao Brasil ser apresentado ao mundo como a bola da vez — não pode ser mais minimizada com discursos otimistas ou rechaçada pela reação indignada do Planalto contra supostos alarmistas da oposição. Até porque números oficiais já comprovaram as razões para a crescente preocupação. A balança comercial pode fechar o ano no vermelho, as contas externas degringolaram de vez, a artificialidade contábil não esconde mais a disparada da dívida da União e, por fim, a carestia, palavra que cheirava a mofo nos últimos anos, está no prato do dia de todos os cidadãos. Isso tudo sem falar dos saltos dos conhecidos rombos da Previdência e de um promissor declínio no ritmo de crescimento dos ainda espetaculares índices de consumo e de emprego. Para o governo, todos os problemas que enfrenta diariamente com medidas localizadas e repletas de efeitos colaterais negativos — como a renúncia fiscal setor a setor e o adiamento dos repasses ao mercado dos custos extras absorvidos pela Petrobras — são encarados como provável munição para os rivais políticos. Para o país, contudo, um terceiro pibinho seguido, em 2013, é um mero detalhe quando o que está em risco é a sua capacidade de enfrentar realidades externas cada vez mais incertas. Por que chegamos a essa situação? Qual é o nome do jogo global que nos coloca um dia no alto da bolsa de apostas para, dois anos depois, nos classificar como candidatos ao clube das nações problemáticas, pouco confiáveis? Qual é esse bicho que está pegando? Alguns economistas que desempenham nos últimos meses o papel de oráculo da presidente Dilma Rousseff já encontram na assolada produtividade nacional a grande encruzilhada de nossa economia. Em vez da criação de mais e mais grupos de trabalho e de estatais a cada projeto novo, eles sugerem um olhar crítico para os sintomas mais elementares de nossa bagunça econômica, como o preço do cabeleireiro. O mais disputado dos conselheiros escolhidos por Dilma, o ex-ministro Delfim Netto, martela há anos na tecla de que a inflação é uma questão claramente estrutural, "ligada ao aumento real dos salários acima da produtividade do trabalho". O aumento da demanda doméstica e o encarecimento da mão de obra acabaram resultando em drástica perda de produtividade da economia, alimentando a inflação e a concorrência de produtos importados. Faltou investimento não apenas em capacidade de produção para atingir escalas e preços finais competitivos. Com peso enorme na economia, a máquina federal insiste em continuar gastando mais em cafezinho e papel do que em concreto e aço e não dá à iniciativa privada a liberdade suficiente para encontrar caminhos para velhas barreiras ao progresso. Saídas O Brasil até tentou, mas não conseguiu ajustar seu tempo ao resto do mundo nos quesitos qualificação dos profissionais, capacidade de inovar e, sobretudo, ambiente de negócios, marcado pela conta cara cobrada pelo Estado ineficiente, ao lado de uma vergonhosa infraestrutura. É, por isso, hora de fazer escolhas certas, onde gastar e onde não gastar. Trata-se de decisões que deveriam orientar desde o orçamento familiar às planilhas das grandes corporações. Eleita também graças à sua imagem de gerentona do Brasil, a presidente deveria assumir o comando da arrumação da casa. Uns chamam esse esforço para fazer mais com os recursos disponíveis em caixa de qualidade total dos processos, método herdado da indústria e defendido pelo conselheiro presidencial Jorge Gerdau. Outros preferem apelar para o slogan do chamado choque de gestão na administração pública, que há uma década subiu aos palanques, rendendo dividendos eleitorais aos governos de Minas Gerais e de Pernambuco. Mas tudo pode ser resumido na busca pela competitividade começando pela eficiência governamental, com melhor uso da montanha de dinheiro arrecadado do contribuinte. O Brasil vive um paradoxo. A economia cresceu de forma errática nas últimas décadas sem resultar em ganhos de produtividade. Com isso, não conseguiremos competir no cenário internacional, viajaremos mais ao exterior em busca de pechinchas e apelaremos para o protecionismo sempre que um setor demitir em massa. O mais assustador é que a China está perdendo um pouco da enorme produtividade, em razão das pressões por mais renda, e os Estados Unidos começam a recuperá-la, em boa parte graças à revolução do gás do xisto na indústria. Render mais por hora trabalhada de máquinas e pessoas e com menos falhas acabou sendo o desafio histórico que pareceremos não querer assumir. Enquanto isso, um desenrolar dos investimentos dos empresários nacionais e estrangeiros, escondidos no fundo da gaveta, vai depender não apenas de taxas de retorno maiores, já autorizadas pelo Planalto. O espírito animal dos empreendedores vai requer um ambiente de negócios menos inseguro. Uma reconfiguração da base econômica brasileira, mais voltada para a competitividade externa e menos onerosa do ponto de vista fiscal, levará anos, talvez décadas. Até lá é preciso não errar mais e continuar apostando nos princípios certos, sem tentações de colocar a política adiante dos fatos. Distorções As tais soluções colocadas na rua pelo governo só acentuam os problemas. Elas confundem o mercado sobre suas intenções e induzem reações defensivas dos agentes econômicos daqui e lá de fora, movimentos vistos como golpistas pelos ideólogos dos partidos no condomínio do poder. O intervencionismo só piorou a queda de produtividade. Delfim já declarou em público por mais de uma vez que a Constituição de 1988 criou despesas elevadas em nome do bem estar geral, sem, contudo, ajudar o país a encontrar saídas para garantir tais direitos. Na competição econômica mundial atual, a maior da história, dominada pela disputa entre países emergentes, interessados em elevar o nível de vida dos habitantes, e nações centrais lutando para evitar retrocessos nas suas conquistas sociais, o Brasil mostra-se sem rumo. Tomara que a campanha presidencial traga um debate econômico de qualidade. Estado deveria gastar menos com cafezinho e papel, para poder investir mais em aço e concreto Fonte: Correio Braziliense de hoje

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