China tem receita antiapagão

Pequim — Com dinheiro de sobra e senso de oportunidade afiado, os chineses querem transformar os sucessivos apagões no Brasil em um bom negócio. Não por acaso, o país foi escolhido pela segunda maior economia do mundo como principal alvo de sua expansão internacional na área de energia. Somente no ano passado, 70 grandes cortes de luz , alguns deles com mais de nove horas de duração, deixaram milhões de brasileiros no escuro. De olho nessas falhas, o gigante asiático quer vender conhecimento ao governo brasileiro e equipamentos para todo o setor energético, sobretudo para a combalida área de transmissão, além de participar como investidor direto e concessionário de grandes projetos de infraestrutura. Tudo por meio da State Grid Corporation, principal empresa de serviço público do mundo. Apesar da larga diferença de patamar do sistema chinês, nove vezes maior que o brasileiro, o interesse da State Grid está baseado nas oportunidades de novos negócios e na exploração das semelhanças entre os desafios elétricos de ambos os países. “Encaramos a mesma realidade de ter as unidades geradoras concentradas em uma região distante dos principais centros de consumo, o que exige aplicação de muitos recursos e esforços para conter perdas no transporte”, comentou o presidente da subsidiária brasileira, Cai Hongxian. Ele promete relação duradoura com o país, lembrando que uma prova disso foi sua empresa ter comprado logo de início o moderno e vistoso prédio onde fica a sede, no Centro do Rio de Janeiro, por R$ 200 milhões. A única queixa é a burocracia para regularizar a situação dos poucos empregados chineses na operação local, incluindo a sua própria, que levou mais de um ano. “Queremos ser parceiros do Brasil, seguir com rigor as diretrizes dos órgãos reguladores e não estimular a competição interna do setor”, acrescentou Sun Jinping, diretor de Investimentos da matriz da State Grid. Segundo ele, a expansão do sistema de eletricidade em seu país, com o reforço à sua estabilidade, é condizente com o ritmo acelerado da própria locomotiva chinesa. A internacionalização, por sua vez, é uma etapa esboçada nos últimos anos e da qual o Brasil é o maior trunfo. O grupo empresarial se instalou aqui há dois anos, quando comprou linhas da Plena Transmissora, por cerca de US$ 1 bilhão. Em maio, fez uma segunda aquisição, com a compra dos ativos no país da espanhola ACS. Também já disputou e venceu lotes de transmissão e de subestações. Belo Monte A estatal vai buscar oportunidades no mercado brasileiro nas áreas de transmissão, geração e distribuição, nesta ordem. Seu maior alvo, entretanto, é o futuro linhão que ligará o Sudeste à usina de Belo Monte (PA), um projeto bilionário no qual os chineses oferecem a tecnologia para lidar com redes de elevadíssima voltagem, acima de 800 kilowatts. No último 19 de dezembro, consórcio liderado pela State Grid levou os principais lotes no leilão de transmissão destinados ao escoamento da energia da hidrelétrica, com deságios próximos a 40%, confirmando a sua agressividade. “Temos um plano inicial de investimento audacioso, de US$ 5 bilhões até 2015”, ressalta Ramon Haddad, vice-presidente da State Grid Brasil. Entre os projetos em estudo, estão ainda novos parques geradores de energia eólica e planos-pilotos de geração de eletricidade com vapor aquecido pela luz solar. “Hidrelétricas só se forem grandes e com parceiros locais”, acrescenta. Para analistas, a State Grid pode se colocar como solução às dificuldades, principalmente as relacionadas à insegurança do sistema nacional de transmissão, por meio de parcerias firmadas com a Eletrobras, desde que invista em conteúdo local. Embora o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, insista em classificar de “robusto” o Sistema Integrado Nacional (SIN), a confiabilidade não é alta e especialistas temem que os apagões revelem grave falta de manutenção e de construção de redes. A situação na China é inversa, com investimento anual de US$ 50 bilhões, apenas em linhas de transmissão e subestações, sob o guarda-chuva da State Grid, o gigante asiático contabiliza 15 anos sem qualquer “perturbação significativa” no sistema. O monitoramento automatizado, crescente infraestrutura de retaguarda para ser empregada em casos de falhas localizadas e pesquisa constante de novas alternativas tecnológicas, evidencia a robustez do sistema chinês. Com constantes compras em escalas sem qualquer paralelo no mundo, a State Grid atraiu ao longo dos últimos 10 anos para suas subestações, usinas e torres os maiores e melhores fornecedores de equipamentos elétricos, como General Eletric, Siemens, Alstom e ABB. Mas graças aos seus planos de se tornar também líder em tecnologia aplicada, mediante a combinação de esforço concentrado de pesquisas em laboratórios estatais associados a instituições acadêmicas, além da natural preferência do governo pelas marcas locais, as soluções made in China já são as maiores concorrentes globais desses parceiros. Para isso, usa seu braço tecnológico, o grupo empresarial Nari. “Os resultados obtidos pela surpreendente capacidade de coordenação, planejamento e investimento do complexo elétrico chinês, centrado em uma grande companhia federal, certamente despertam a admiração da presidente Dilma Rousseff, especializada no setor ”, comenta o presidente da consultoria internacional Andrade & Canellas, João Carlos de Mello. Até mesmo o Centro Nacional de Despacho, em Pequim, que monitora e administra o fornecimento de eletricidade em todo o território, papel equivalente no Brasil ao do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), também está subordinado à estatal. Não há, pois, qualquer barreira entre concessionários de redes de transmissão e distribuição e os agentes públicos do sistema interligado, o que facilita as políticas para minimizar riscos. Poluição Para os críticos, a ainda excessiva dependência do mercado chinês de geração movida a combustíveis fósseis, sobretudo o carvão mineral, está longe de ser equacionada. Eles acham que a névoa seca da poluição que paira permanentemente sobre grandes cidades como Pequim e Nanquim acaba literalmente ofuscando boa parte das conquistas tecnológicas em outras áreas do setor elétrico. “Nossa vantagem em relação ao modelo asiático está mesmo no fato de termos a matriz energética mais limpa do mundo, com o predomínio da geração por hidrelétricas e o ainda promissor campo para outras áreas como eólica e solar”, comenta uma fonte ligada ao Ministério de Minas e Energia. A preocupação com o impacto dos gases de efeito estufa para o clima do planeta e para os negócios das empresas de energia faz parte, contudo, da principal linha de ação da State Grid e está nos alvos econômicos prioritários do governo chinês para os próximos 10 anos. Além de ter o maior campo gerador de energia dos ventos, o país persegue o título de líder mundial em patentes de carros elétricos e a meta de produzir anualmente meio milhão de veículos desse tipo. A gigante estatal de energia mantém em Pequim pontos de abastecimento de frota de veículos de passeio, carga e serviços públicos. Para dar agilidade, as baterias, fornecidas por três indústrias locais, lideradas pela BYD, são trocadas em poucos minutos por robôs e depois recarregadas in loco. Fonte: Correio Braziliense - janeiro de 2013. O repórter viajou a convite da State Grid

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