Lanterna dos afogados

Sílvio Ribas

"Quem tem fome tem pressa”, ensinava o sociólogo mineiro Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997). O atual debate global sobre as mudanças climáticas deveria se inspirar nesse mesmo sentido de urgência, antes que reste apenas os lamentos para as tragédias a caminho. Isso fica ainda mais evidente ao saber que estamos a menos de um mês da realização, no Brasil, da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio%2b20, e governos de importantes nações dão mostras explícitas de que não têm o mínimo interesse em fazer história.

Essa indiferença deverá provocar resultados nefastos para as próximas gerações, em todo o planeta, sobretudo se considerar que a população mundial pode saltar dos atuais 7 bilhões de habitantes para perto de 10 bilhões até 2050, com o agravante de um patamar médio de consumo maior. Uma Rio “menos 20”, sem a voz de líderes de países-chave, assusta tanto quanto a insignificância dos documentos preparatórios.

A melhor forma de ilustrar o triste espetáculo diplomático que se avizinha, tendo a Cidade Maravilhosa como palco, é jogar luzes sobre o desespero dos que têm pressa nessa discussão em torno do aquecimento global. As ressacas que expulsaram banhistas das praias do Rio nos últimos dias são eventos muito leves diante dos já sofridos por milhões de cidadãos de países insulares, aterrorizados pela gradual elevação do nível dos mares.

Contra os que ainda são céticos, ilhas-nações formam desde os anos 1990 um grupo para defender sua própria existência no mapa. Hoje, Tuvalu e Maldivas já estão procurando terrenos no exterior para alojar dezenas de milhares de pessoas, acendendo um farol para o mundo, que deve virar a sua lanterna dos afogados. Enquanto isso, o cultivo do arroz em baixadas de países asiáticos muito populosos, como Bangladesh, Índia, Tailândia, Vietnã, Indonésia e China, já está afundando.

Cabe à presidente Dilma Rousseff, anfitriã do maior encontro já realizado pela ONU, constranger os chefes de Estado e governo presentes e ainda cutucar a consciência dos prováveis grandes ausentes, como o norte-americano Barack Obama e o primeiro-ministro britânico David Cameron. As próprias autoridades já admitem que agora só as redes sociais poderão evitar um fiasco político sem precedentes.


Fonte: Correio Braziliense - 23/05/2012

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