Danação da nação brasileira

Muito além do Amanhecer

Escritor de Brasília é destaque no movimento da literatura inspirado no folclore nacional

SÍLVIO RIBAS

O sucesso internacional de série de livros povoados por vampiros, lobisomens, elfos, bruxos e dragões não deixou o Brasil de fora. Pelo contrário, o país está entre os melhores mercados e onde até fãs se tornaram também autores de obras do gênero, com seus monstros e seres mágicos da cultura universal. Para, num só tempo, avançar na literatura fantástica escrita por brasileiros e, ainda, resgatar tradições do folclore nacional, um grupo de autores passou recentemente a divulgar páginas permeadas por mitos conhecidos do público, mas nunca tratados como a merecida seriedade.

O mais novo representante da tendência é o escritor Marcus Achiles, de Brasília. Ele e outros acreditam que estórias tipicamente brasileiras podem ganhar as prateleiras do mundo. “Estamos acostumados a desfrutar da mitologia importada quando temos personagens extraordinários construídos há séculos pelos povos indígenas, negros e mestiços”, conta Achiles, 44, jornalista baiano criado na capital federal.

Seu primeiro romance, Danação (Baraúna, 2012), conta uma aventura de 1734 na pequena Vila de Taubaté, aterrorizada por uma assustadora criatura, que sempre povoou as lendas do interior do Brasil. “Sempre gostei de literatura fantástica, seja terror, fantasia ou ficção científica. As realidades irreais sempre me fisgaram”, diz Achiles. Entre os ídolos literário do seu gênero preferido estão Stephen King (“melhor contista que novelista”, revela), Clive Barker, H. P. Lovecraft e Philip K. Dick.

Mas foi sua inquietude diante da ausência de narrativas menos infantis ou enciclopédicas sobre a mitologia brasileira que acabou o levando a escrever livros e contos onde personagens de tempos passados interagem com o fantasioso. Para divulgar seu romance e a literatura fantástica made in Brazil, Achiles faz contatos com seus colegas de pena e lançou o blogue folclorefantastico.blogspot.com. Ele lembra que as raízes da cultura brasileira e episódios da história colonial vêm servindo de contexto para outras obras publicadas nos últimos cinco anos, até de gente nascida fora do país.

Expoente do gênero tropicalizado é o norte-americano radicado em Porto Alegre Christopher Kastensmidt, que lançou em 2010 A Batalha Temerária contra o Capelobo. A obra ficou entre as finalistas do prêmio Nebula 2011, considerado o Oscar da literatura fantástica, organizado pela Science Fiction and Fantasy Writers of America (SFWA).

A obra também de fundo histórico narra a aventura da dupla Gerard van Oost e Oludafra. Capturados por tupinambás antropófogos em pleno século 17, eles enfretam a criatura que aterroriza os índios. A série terá continuação com A bandeira do elefante e da arara (The elephant and macaw banner, em inglês). Para divulgar a série, o escritor criou o site www.eamb.org/brasil/.


Achiles conta que a ideia de escrever algo diferente dos autores nacionais que lançaram títulos de fantasia com os mesmos mitos importados, quase sempre em estórias no Primeiro Mundo ou continente imaginário, surgiu em 2006. Seu filho Lucas, à época com nove anos, estava fazendo uma pesquisa escolar sobre folclore brasileiro. Quando viu a ilustração de um ser fantástico se perguntou porque não encontrava romances que tivessem nossa mitologia como pano de fundo. “Por que nossos jovens leitores consideram vampiros, lobisomens e dragões mais interessantes que boitatá, mula-sem-cabeça e mapinguari?”, pergunta.

No time do folclore para maiores está outro escritor baiano, Franklin Carvalho, autor de O Encourado. Sua obra resgata um vampiro descrito pelo imaginário popular do nordeste brasileiro. Ele revela que seu interesse pelo tema começou quando encontrou um fragmento de texto que atribuía a descoberta do Encourado à pesquisadora Nina Balle. Desbravando o mundo virtual em busca de mais informação sobre o monstro regional, percebeu que todas referências voltavam ao mesmo ponto de partida.

Carvalho procurou pesquisadores sobre vampiros, que também nada acrescentaram. Isso o motivou a criar uma origem para a criatura e até incluir no texto debate sobre a “veracidade” da fábula. Pela mesma trilha do folclore nacional passou Walter Tierno, autor de Cira e o Velho, que conta o encontro do bandeirante Domingos Jorge Velho e a bruxa Cira.


Fonte: Reportagem publicada na edição de hoje do Correio Braziliense

Comentários