Coração de Mãe

Por Sílvio Ribas
Correio Braziliense/Opinião
Publicação: 03/05/2012


A agenda típica de debates para os meses de maio, mês da mulher e das mães, poderia reservar um espaço maior para o mais nobre dos gestos, o de adotar como filho alguém que nem sequer é parente distante. O acolhimento daquelas em cujo coração sempre cabe mais um, ou de tantas outras que sonham em colocar nos braços um herdeiro mesmo não podendo gerá-lo, requer a atenção de todos. Isso porque o ardor maternal delas pode fazer diferença crucial para o futuro de milhares de crianças e adolescentes brasileiros abandonados nas ruas ou abrigados em instituições.

Apesar de não faltar bons exemplos de pais e mães que formam lindas famílias com seus acolhidos, a fila dos candidatos a um lar continua não andando na velocidade desejada, apesar das polêmicas reformulações feitas na legislação com o propósito de agilizar os processos. Perto de completar três anos, a Lei de Adoção sancionada em agosto de 2009 acabou criando novos caminhos burocráticos e deixando futuras mães ainda mais distantes do filho. Essa realidade não pode deixar de ser discutida, até mesmo para não se perder a chance de reparar equívocos nas novas formalidades legais.

Os avanços percebidos com a criação de um cadastro nacional e as recentes aberturas para homens e mulheres homossexuais adotarem não escondem o fato de que, em várias situações, está mais difícil efetivar a adoção. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que há cerca de 15 mil pretendentes cadastrados esperando por filhos adotivos. O número oficial é três vezes maior que o total de crianças e adolescentes aptos, judicialmente, a serem adotados. A explicação dada pelas autoridades para a paradoxal estagnação está na demanda, da maioria dos pais, por meninas brancas, sem defeitos físicos ou psicológicos, com até três anos de idade. Essa verdade não pode esconder outras. A mãe que quer adotar alguém mais parecido com ela não pode ser vista como insensível.

A vantagem dada a todos os parentes também pode colocar em segundo plano possíveis relações afetivas construídas entre mães e filhos adotados. A contradição surge ao avaliar decisões da própria Justiça, que já colocaram o afeto em escala de importância superior ao sangue. O próprio adjetivo "adotivo" é absolutamente nulo do ponto de vista jurídico. O que vale mesmo é o coração.

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