Sombra da inflação

Especialistas apontam medidas para o país escapar da ameaça da inflação. Risco de reajustes saírem do controle cresce a cada dia

Sílvio Ribas - Estado de Minas
Publicação: 17/04/2011

Enquanto a inflação caminha lentamente para o descontrole, o governo prefere contar com a sorte para recolocá-la nos eixos. Sem fazer cortes significativos nos gastos públicos e retardando um impulso maior nos juros para não fortalecer ainda mais o real, as autoridades da área econômica torcem por uma trégua no cenário externo e menos tensões no mercado doméstico. Enquanto isso, as commodities (produtos básicos cotados no mercado internacional) seguem em alta e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação, atinge em março 6,3% no acumulado de 12 meses, perto de romper o teto (6,5%) da meta do Banco Central (BC).


Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas concordam que o apetite do dragão – principal tema econômico do Brasil na atualidade – tende a se acomodar até outubro, ficando dentro da margem fixada pelo BC. Mas receiam que a demora do governo em reagir possa contaminar expectativas e tornar o remédio mais amargo. “Não dá para cruzar os braços com o IPCA batendo no teto da meta. Embora não exista risco imediato de descontrole, ele cresce diariamente”, alerta Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

Para o especialista em inflação, preços atrelados a índices de reajustes, como aluguéis e tarifas de transporte público, reforçam as tendências de alta geral. “O ideal é observar não só a inflação de hoje, mas como ela se comporta no futuro”, afirma. Carmo lembra que o pior vilão dos preços no Brasil não é a disparada das cotações de alimentos, mas dos custos de serviços e de mão de obra. “São números que dificilmente recuam e só podem ser contidos se o governo ancorar tanto a inflação atual e futura”, diz.

O economista considera o ajuste fiscal “de verdade” como única forma de o país se precaver dos efeitos nefastos de surpresas na conjuntura internacional e ainda esvaziar apostas negativas diante de incertezas. Ele recomenda elevar já a taxa básica de juros (Selic), além do compromisso da presidente Dilma Rousseff com um aumento do superávit primário das contas públicas. “É péssimo sinal anunciar corte orçamentário de R$ 50 bilhões sob o impacto de R$ 90 bilhões de restos a pagar”, frisa.

O professor teme a repetição de 2002, quando pesadas dúvidas em torno da política econômica do futuro governo petista pressionaram o dólar e levaram à série de reajustes preventivos. A inflação só cedeu no fim do ano seguinte, depois de duras medidas adotadas pela nova administração. “Se a safra recorde atual sofrer perdas com geadas ou estourar outra crise com exportadores de petróleo, a inflação pode beirar os 8,5%. Daí para dois dígitos é um pulo.”

José Márcio Camargo, economista da Opus Consultoria, aponta o excesso de dinheiro em circulação no mundo, inflado pelos Estados Unidos como mais forte agente da inflação no país. Com juros muito baixos no mundo desenvolvido, regiões de taxas altas como o Brasil são destino certo desses recursos, fortalecendo moedas locais. “Apesar de a valorização cambial ajudar a controlar inflação, o volume de capital é bem maior que o desejado pelo BC”, diz.

O governo vive então o dilema de elevar os juros, que combate inflação mas irrita o setor produtivo ao derrubar o dólar. Para ele, a solução definitiva está no ajuste fiscal. “O governo hesita, mas se não conseguir controlar os preços este ano, em 2012 será muito mais difícil”, acrescenta, lembrando que uma das razões disso é o próximo reajuste do salário mínimo, de 14%. “Ao contrário de 2002, o risco agora não está num só fator.”

Segundo ele, os índices vêm sendo embalados muito além de combustíveis, matérias-primas e crescimento da gastança federal nos últimos dois anos, acima da expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Na conta entram também crédito abundante e os ascendentes custos de comércio e serviços. “É equívoco achar que tudo se resolve segurando crédito e equilibrando câmbio”, sublinha. Camargo também critica a incapacidade do BC de dar previsibilidade aos indicadores, dando espaço para que cenários piores predominem e se projetem juros bem mais altos.

Os receios do governo em calibrar com mais força a taxa básica de juros (Selic) acabam por alimentar uma insegurança do setor industrial, que vem perdendo competitividade com o real forte. Os empresários já esperam uma inflação maior este ano e defendem o ajuste fiscal mais duro como única alternativa para evitar o descontrole dos preços. Flávio Castelo Branco, economista chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), admite que o avanço no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) pode ser parcialmente contido pelo câmbio valorizado, mas vê esse contrapeso sucumbindo às pressões domésticas, sobretudo da mão de obra. A CNI prefere apostar num ciclo maior de alta na Selic, que chegaria em dezembro a 12,5%.

Comentários