Invasão de carros chineses


Autor: Sílvio Ribas
Jornal: Correio Braziliense
Publicação: 03/04/11

Avalanche de carros chineses
Com modelos mais baratos e equipados, montadoras como Chery e JAC querem abocanhar cerca de 5% das vendas no país até 2015

O mercado automotivo brasileiro, o quinto maior do mundo, vai ser sacudido pela chegada dos chineses. As montadoras que atuam no país se beneficiaram com o melhor trimestre desde 1957, mas terão que se desdobrar para responder ao desafio de competir com carros bem equipados e mais baratos. Ávidas por seduzir o consumidor, as companhias que nasceram na segunda economia global têm planos ousados e pretendem multiplicar por 10 sua participação nas vendas, que hoje é de apenas 0,5%. A projeção é que essa parcela salte para 5% até 2015, o que vai provocar uma revolução na estrutura de preços do setor.

A expectativa de empresários e analistas é de que o impacto da onda chinesa será bastante superior ao da coreana. A principal arma será mesmo o preço mais baixo, tornado possível por uma composição de custos mais enxuta. As montadoras Chery, Hafei, Effa, Chana, Lifan, Jinbei, JAC e Brilliance desembarcaram no Brasil com modelos prontos para atacar vários nichos. A maior e mais ambiciosa é a Chery, que está construindo uma fábrica em Jacareí (SP), com estimativa de produção de 150 mil unidades a partir de 2013 — as demais, por enquanto, chegam apenas com importados.

As marcas chinesas fecharam 2010 com 17.266 veículos vendidos no país, tendo a Chery à frente. O volume é 608,5% maior que os 2.437 emplacados em 2009. “Sofremos com o estigma da baixa qualidade de produtos chineses em geral. Apesar disso, estamos preparados para conquistar o consumidor brasileiro, um dos mais exigentes do mundo”, promete Luís Curi, principal executivo da Chery Brasil. Ele reconhece que a avalanche oriental trará “carros bons e outros nem tanto”.

Além da produção em larga escala, a Chery quer garantir a reposição de peças, fragilidade de quem dá os primeiros passos num novo país. As vendas de seus quatro modelos importados — Tiggo, Cielo hatch, Cielo sedan e Face — pularam de 497 em 2009 para mais de 7 mil no ano passado. Foi o melhor desempenho entre as 30 participantes da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos (Abeiva). A rede de concessionárias cresceu, atingindo 70 lojas em todos estados.

Com sede administrativa em Salto (SP), a Chery se prepara para fazer quatro lançamentos em 2011. O primeiro, no fim do mês, será o consagrado QQ, que promete ser o mais barato e completo do Brasil na categoria popular. A companhia quer atuar na faixa de preço até R$ 53 mil e vender 25 mil unidades este ano, mordendo 3% do mercado até 2015. Curi avalia que o desempenho até agora foi “além do esperado”. Ele atribui o sucesso, entre outros motivos, à ascensão da China à posição de maior mercado automotivo do mundo.

Mais aguardada entre as montadoras chinesas, a JAC estreou no país no dia 18, inaugurando, de uma só vez, 50 concessionárias em 28 cidades. É a primeira vez que uma fabricante faz lançamento dessa dimensão, com uma maciça campanha publicitária. Segundo a marca, 1.139 carros foram vendidos apenas na primeira semana. “Apostamos na venda de 4,5 mil unidades em abril”, projeta Sérgio Habib, presidente da JAC do Brasil e do SHC, maior grupo de revendas de automóveis do país. Oferecendo duas versões do J3, que custam
R$ 37.900 e R$ 39.900, a meta era vender 35 mil veículos este ano, mas os números já estão sendo revistos para cima e deverão incluir os modelos J5 e J6.

Um dos mais promissores do planeta, o mercado nacional ainda é dominado pelas tradicionais Fiat, Volkswagen, GM e Ford — juntas, elas têm 74% das vendas. Mas essa concentração cai desde os anos 1990, com a chegada progressiva de empresas como Peugeot, Renault, Honda, Toyota, Hyundai e Kia. O desembarque dos chineses ocorre num momento em que, abaladas pela queda no consumo nas matrizes, as montadoras norte-americanas e europeias dependem do desempenho no Brasil para equilibrar o caixa. Esse é o setor que mais remete lucros para as sedes.

Para especialistas do setor, os carros chineses devem vender bem. As projeções iniciais são de 30 mil a 40 mil unidades por ano. “Esse número parece exagerado, mas nunca se sabe o quanto nosso mercado pode surpreender”, afirma Francisco Carlos Peixeiro, da Sigma Consultores. Na avaliação dele, o maior obstáculo são as dúvidas quanto ao design, ao acabamento e à qualidade da mecânica. “A onda de carros chineses traz surpresas, como a JAC, que procura associar preços competitivos a bons pacotes.” As versões básicas da marca já têm incorporados vários acessórios.

O sucesso dos chineses pode esbarrar no abastecimento de peças de reposição e na assistência técnica. “Nenhum consumidor se anima se, na eventualidade de necessitar de um parachoques ou de um amortecedor, tiver que esperar seis meses para receber a peça”, diz. A eliminação da barreira pode ocorrer caso os importadores constituam redes de concessionárias e postos de serviços compatíveis com as metas.

Luiz Carlos Augusto, superintendente da consultoria Jato Dynamics, acredita que a ocupação chinesa é uma realidade sem risco de retrocesso. “O Brasil voltará em breve à quarta colocação no mercado mundial, o que desperta interesse de todos os fabricantes”, pontua. Ele acredita que os asiáticos crescerão, gradualmente, em todas as faixas de mercado.

O consultor crê que a desconfiança sobre a qualidade repete fenômeno visto há 20 anos com as empresas japonesas. “A percepção se inverteu totalmente e até os coreanos melhoraram a imagem após a aversão inicial”, diz. Na sua opinião, preço não é decisivo, porque a globalização garante acesso a componentes baratos. “A concorrência se dá com volumes crescentes e qualidade.”

Avanço
Desde 2008, as gigantes do setor automotivo perdem participação para as coreanas Hyundai e Kia, que dobraram as vendas, atingindo 5% do mercado. A Hyundai já tem, sozinha, 3,2% do segmento, fatia superior à da japonesa Toyota. O 1,8% da Kia já superou percentuais de Mitsubishi e Nissan. A Hyundai iniciou a produção do Tucson em Anápolis (GO), o que permitirá baratear seu campeão de vendas. Para continuar crescendo, a Kia planeja ampliar a oferta de veículos flex, hoje restrita ao Soul.

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