Os muros que nos juntam
Sílvio Ribas
Na minha Curvelo (MG) dos tempos de menino, lá entre os anos de 1970 e 1980, quilômetros de muros pré-moldados de concreto se espalhavam por toda a cidade, como guardiões simplórios de propriedades e famílias.
Presentes em lotes vagos, quintais e depósitos a céu aberto, eles não faziam só barreiras físicas. Suas placas e colunas encaixadas também abraçavam ideias, simbolizavam nosso meio urbano e transmitiam avisos ao povo.
Cada um com sua tez acinzentada ou caiada, os muros de cimento armado pareciam ignorar divisões sociais. Junto com as cercas de arame farpado, eles delimitavam áreas, mas também atraíam olhares e corações das ruas.
Num arroubo de bairrismo, minha nostalgia pinta aqueles muros de Curvelo como nossos representantes no grupo de edificações icônicas – a Muralha da China, o Muro de Berlim e o que margeia a Wall Street, em Nova York.
Na minha opinião, eles presenteavam Curvelo com uma carga simbólica equivalente à do calçamento pé-de-moleque em Ouro Preto (MG). A força dessas divisórias pulsava ainda de cada rachadura e mensagem grafada.
Lembro da publicidade de lojas desenhada nos muros, revelando o talento de artistas com pincéis, em belas letras e logomarcas. Ao lado delas, ainda havia campanhas políticas, avisos da saúde pública e notas particulares.
“Vendo geladinho”, “não jogue lixo neste local”, “cuidado: cão bravo”, “entrada pela rua de trás”, “fulano de tal é um...”. Cada frase era um convite à atenção e um fragmento do nosso cotidiano. Marcas da memória coletiva.
Com o passar das décadas, muitos muros deram lugar a novas construções, revelando na desconstrução entranhas metálicas e pedaços de saudade do quintal, do gol improvisado, dos pés de mamona e mamão e de rabiscos de giz e carvão.
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