Dilemas jurídicos no Metaverso


O ano de 2022 estreou sob o impacto de tendências tecnológicas, sociais e econômicas sob o eletrizante conceito do metaverso. Trata-se da aposta liderada pelas gigantescas empresas voltadas ao meio digital que promete revolucionar não apenas o mundo dos negócios, mas as próprias relações humanas. Por meio de avatares, os usuários da internet em três dimensões (3D), acessada por óculos, fones e outros equipamentos especiais, viverão “outra vida”, que combina a realidade física com o ciberespaço.

Ao lado de oportunidades exponenciais e perturbadores riscos trazidos pela plataforma imersiva também grandes e inéditos questionamentos jurídicos. As rotinas criadas pela necessidade de distanciamento social na pandemia, com reuniões por videoconferência, alcançarão em breve experiências mais arrojadas, algumas delas já em teste até por redes varejistas. No seu rastro surgirão demandas como privacidade, direito de propriedade e outras que terão de ser delineadas em paralelo à chamada realidade convencional.

Para o diretor acadêmico de Direito Digital do Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados (Ieja) e um dos maiores especialistas em cibersegurança do país, Daniel Stivelberg, o metaverso é o tema de tecnologia mais candente do momento no mundo todo, potencializado pela telefonia de quinta geração (5G), e que tem despertado especulações em campos diversos, desde os reflexos para o Direito, passando por questões filosóficas em torno da projeção da personalidade humana em ambientes digitais imersivos.

“Trata-se de uma aguda simbiose de diversas tecnologias de transformação digital, cujos benefícios concretos ainda precisam se provar, a exemplo de realidade aumentada, redes sociais, blockchain e tokenização. Tudo isso impulsionado por conectividade ultrarrápida e pontos de acesso cada vez mais sofisticados e pervasivos”, observa. Ele e outros estudiosos entendem que a necessidade de segurança jurídica para lidar com um inevitável novo ambiente de interações induzirá legislações e jurisprudências específicas.

A largada oficial para a corrida do ouro do metaverso foi dada em 2021. O criador do Facebook e líder da principal mídia social do planeta, Mark Zuckerberg, traçou essa perspectiva ao apresentar a sua visão para o futuro de seu próprio universo e os negócios digitais em geral, inclusive mudando o nome da sua holding para Meta. Na conferência anual da multinacional, em 28 de outubro de 2021, ele também detalhou o desejo de erguer a sua versão mais sensorial e envolvente da rede mundial de computadores. 

O Facebook (Meta) está investindo US$ 150 milhões na sua versão profissional para o metaverso, o aplicativo Horizon Workrooms. O criador da Microsoft, Bill Gates, afirmou, por sua vez, que a sua big tech terá a sua primeira versão da plataforma este ano e que até 2025, todas as reuniões remotas ocorrerão dentro desse ambiente virtual. É provável que os juízes, advogados e demais operadores do direito estarão presentes no conglomerado paralelo de uso contínuo com suas representações digitais.

VALORIZAÇÕES RECORDES

Enquanto não se apresenta plenamente, a mais surpreendente faceta do metaverso hoje está nos valores inflados das suas transações comerciais. Para se ter ideia, um NFT – a sigla de Non-Fungible Token ou certificados de posse de bens únicos no meio digital (não-fungíveis) – de um iate virtual foi vendido por R$ 3,6 milhões no jogo The Sand Box. Estranho? Tem mais: um universitário indonésio de 22 anos obteve em janeiro último US$ 1 milhão ao colocar à venda uma coleção de selfies dele próprio feitas em cinco anos.

Enquanto são negociados em formatos que podem alcançar terrenos e prédios, bits do metaverso ganham força com a exclusividade autenticada, algo percebido nas vendas diretas e leilões de criptoativos, particularmente obras de arte e itens raros. Max Smetannikov, sócio da Futurology AI, empresa de Nova York dedicada à venda de ativos digitais, afirma  que NFTs e Metaverso já “estão assumindo o controle”.

“A melhor maneira de se preparar para a grande mudança é participando dela. Existem alguns bons ativos que estão à venda em leilões, que podem ser obtidos por 40% a 65% menos do valor de face, para revenda”, sugere o empresário. No Brasil, a corretora Vitreo apressou-se em lançar o primeiro fundo brasileiro voltado ao metaverso, convidando investidores de todos os perfis a ingressarem no que o seu líder George “Jojo” Wachsmann classificou de “a maior aposta da história”.

Tais números sugerem implicações jurídicas. O volume de dados coletados dos usuários pelo metaverso, desde linguagem corporal, vai além dos dados pessoais obtidos por Google e Facebook. Outra questão é a propriedade dos próprios avatares e de obras de inteligência artificial. Quem validaria contratos assinados no mundo virtual? Podem ser consideradas agressões cometidas no ambiente online? Como coibir fraudes virtuais? Advogados por ter escritórios lá? As muitas questões estão apenas começando.



PS: Publicado originalmente na revista Datavenia 6, de agosto de 2022

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