O poop é pop!

Sílvio Ribas

Ei, quem fez caca? Que m* é essa! Mas que b*! Ora, seu estrume! Oh, Shit! Agressões verbais como essas, que recorrem às muitas alcunhas da coisa mais abjeta para os humanos, seja lá qual for sua origem ou cultura, estão mais comuns do que nunca. Na verdade, o velho número dois não está só mais aceito. Agora, muito além dos xingamentos e das piadas escatológicas, o cocô virou artigo cult e até chega a ser entronizado pela cultura de massa.

Em matéria de asco individual e coletivo, fezes sempre foram unanimidade individual e universal. Mas como símbolo e personagem, em várias cores e acepções (assépticas ou não), elas se tornaram fonte de crescente lucro para a indústria do entretenimento. Estranhos tempos esses que colocam a excrescência em essência no posto de destaque jamais experimentado.  Parênteses: Roberto Carlos não vestia marrom por puro preconceito?

O que era visto apenas no besteirol cinematográfico, com graça e nojo, se transformou em simpáticos emojis de celular e personagem infantil, com direito a música tema. O fedido dos fedidos não serve apenas como inspiração cômica de objetos vendidos em bancas para pregar peças em desavisados. Ele chegou ao ápice ao decorar festinhas de aniversário e ao se converter em candies e brinquedos de meninas. O poop é pop!

Dejetos estilizados estão estampados sem pudor em caderno escolar, imã de geladeira, chaveirinhos, mochilas, almofadas e itens para escritórios. O mais repulsivo dos subprodutos humanos virou fantasia de Halloween, decora camisetas e diverte usuários em canais de internet. Qual a razão de essa liberalidade tosca ter prosperado tanto? Falta de inspiração? Perda de paradigmas estéticos mínimos?

O que afinal esses empreendedores tão ousados e criativos têm na cabeça? Não, não é uma resposta óbvia.

Acredito que a glória do number two (#2), como dizem os americanos, é a expressão da derrocada final das barreiras ao consumo globalizado. Ouvi que a presença do elemento de desprezo atávico no reino da diversão é a busca para encaramos nossas imperfeições como seres dotados de tubo digestivo. Lembrei dos donos de empresa do ramo de limpeza de fossas de Beagá que a batizaram de Rola B*, a despeito de narizes torcidos.

A outrora porcaria-mor rola livre, leve e solta em telas, vitrines, ciberespaços e, quem sabe, no ventilador. Poderia até ser garoto propaganda de papel higiênico, rivalizando com o popular Capitão Cueca, personagem que sempre traz nas suas histórias alguma brincadeira alusiva a elementos e a sons vindos de toaletes. Bem, ele só faz coro às bobices próprias das crianças de cinco a 10 anos, mas ganhou o status de bestseller nos seus livros e de superprodução na telinha e telona.

As farmácias, por exemplo, vendem a visitantes de lares produto para tirar o vergonhoso odor deixado no vaso sanitário do visitado logo após de usá-lo. O FreeCo primeiro bloqueador de fedores sanitários de bolso do Brasil, promete tirar o mau odor após ser borrifado cinco vezes na privada e livrar o usuário de constrangimentos. Antes, ouvi falar de perfumes para beber, destinados a proporcionar depois igual efeito em defecações e diarreias.

Ir ao WC e, ao mesmo tempo, aglomerar (não evacuar a área) é a obsessão do outro lado do mundo. Prova disso está no sucesso da Modern Toilet, rede de restaurantes cujo tema exclusivo é banheiro. Com sede em Taiwan e filiais em toda a Ásia, a franquia tem sanitários no lugar de cadeiras, pratos servidos em pinicos e mini privadas.

O dono Wang Tzi-Wei investiu na ideia após registrar vendas recordes de redemoinhos de sorvete de chocolate em vasinhos de papel. Sua sorveteria foi inspirada no robô Arale, do anime japonês Dr. Slump, que adorava cutucar e brincar com um fofo cocô rosa.

Os sul-coreanos, por sua vez, não conseguem esconder sua fissura por cocô. Desde cookies a telefones em formas alusivas a ele até um museu na capital Seul unicamente dedicado a excrementos. As crianças desenham o coiso na escola sem qualquer reprimenda ou estigma.

Para completar, sanitários em todo o país, domésticos ou públicos, trazem descargas com sons legais, trilha sonora ao fundo e o download de água colorida. Cool! Bem diferente do desprazer nosso ao chegar a WC de rodoviária ou de beira de estrada.

Do universo infantil, lembro do próprio cocô cantando uma musiquinha de protesto contra o antigo e persistente preconceito que sofre, num quadro do programa Co-Co-Ri-Có, da TV Cultura. Mais bonitinho que ele só as várias versões dos dejetos multicoloridos e brilhosos de unicórnio, de Poopsie e outros.

Não acredito que estou dizendo isso. Onde está a nossa velha e boa repugnância? Bem, mas engraçada é mesmo a propaganda da Candide para o seu carrinho KK Móvel, com controle remoto: “O brinquedo número 2 no mundo! Persiga seus amigos com um cocô que corre, gira e solta pum! Essa brincadeira vai feder! Que tal uma corrida de cocô?”.

É tudo estranho e divertido porque nem gostava do hoje clássico e vintage cocô falso, vendido em barraquinha de quermesse e usado em pegadinhas.


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