Fazer o bem faz bem

Por Sílvio Ribas Empresários que agregam o valor da responsabilidade social aos seus negócios proporcionam muito mais do que uma vida melhor para cidadãos marginalizados. Acabam também se tornando inspiração para as pessoas às quais dão ajuda e um estímulo para que outros empreendedores sigam o mesmo caminho da solidariedade e da independência financeira. Éder Carvalho, 32 anos, é um desses exemplos. Depois de uma infância pobre no Entorno de Brasília e uma vida inteira de muito trabalho, venceu ao construir uma marca de roupas, a Filho Rico, que tem loja própria em shopping e se prepara para virar uma franquia. "Quero consolidar uma marca com influência social, que carregue valores muito além da visão material e vá além das relações de consumo", afirma. Mesmo em seus melhores momentos, Carvalho nunca deixou de lado a preocupação com os jovens carentes e expostos ao mercado das drogas, particularmente os menores infratores que estão apreendidos pela Justiça. Buscar doadores de dinheiro para investir nesse público e encaminhar marginalizados ao primeiro emprego são suas maiores missões na atualidade. Ele enxerga no próprio mercado e na prática de "dar a rede" uma saída virtuosa para injustiças históricas e um passo adiante da simples distribuição de "peixes" pelo assistencialismo oficial. Com recursos próprios e de outros beneméritos, propõe inúmeras formas eficazes de ajudar cidadãos a saírem da exclusão e a levar desenvolvimento às suas localidades. O empresário filho de feirantes nordestinos e nascido em Sousa, no sertão paraibano, enveredou-se pelo comércio do DF por necessidade, para pagar a faculdade de enfermagem, depois do término do contrato temporário com o governo distrital. Em 2006, aos 24, começou negociando perfumes e, com um sócio, criava e vendia camisetas feitas por uma confecção terceirizada. Seus cortes, estampas e cores fizeram tanto sucesso que ele decidiu abrir uma loja na Feira dos Importados e chamar a atenção de distribuidores. "O segredo das boas vendas é o mesmo até hoje: oferecer ao consumidor jovem,no qual me incluía, o que ele queria", revela. A Filho Rico deslanchou e, depois de altos e baixos na trajetória, consolidou-se com a mensagem de "fazer bem está na moda". Sonho adiado Ainda nos tempos de enfermeiro, Carvalho desenvolveu contato com crianças e adolescentes do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), atualmente em fase de reestruturação. O trabalho voluntário, com orientação e testemunho aos jovens em favor da ressocialização e do empreendedorismo, somou-se, anos mais tarde, à entrega de materiais e de equipamentos."Ganhei forças até mesmo quando os negócios iam mal, pois tinha que dizer aos internos para não desistir nunca. Na verdade, todos querem vencer na vida. Só é preciso de apoio para chegar lá", recorda. Desde 2009, o empresário mantém a rotina de visitas aos locais de detenção, pelo menos aos sábados. "Sempre convivi com essa dura realidade e sei que essas pessoas precisam apenas de alguém que acredite nelas", explica. Entre os seus sonhos está o de instalar linhas de montagem dentro das unidades de correção, coisa que a burocracia estatal ainda não deixou. "Isso é uma pena, porque Brasília e as cidades em volta não têm uma cultura empreendedora. Os jovens daqui só pensam em ser funcionários públicos, perdendo tempo quando podiam estar empreendendo", desabafa. Para Carvalho, a crise existencial dos jovens, faixa da população onde o desemprego é o dobro da média, só piora quando alvos de consumo ficam acima da família e da solidariedade. "Não é por acaso que as pessoas se decepcionam, com facilidade, umas com as outras." Dos meninos que o empresário conseguiu dar nova perspectiva tem até um envolvido com crimes bárbaros e que hoje é funcionário modelo em uma loja de eletrônicos. "Poderia estar morto ou fazendo mais vítimas", afirma. Seu interesse na ação social já o levou, no ano passado, a um vilarejo do Malauí, na África, onde atuou como voluntário em ações educativas de higiene, saúde e educação na comunidade local. "A miséria lá é assustadora, mas a solidariedade entre eles também impressiona", narra Carvalho, sobre o que viu em solo africano. Em 2012, ele também aprendeu, com um curso em Chicago (Estados Unidos), o valor do voluntariado na cultura norte-americana. "Não importa o tamanho da empresa. É algo enraizado", diz.
Reabilitação no hospital A superação das mazelas da vida que Carvalho tanto prega aos jovens recrutados pelo narcotráfico é vendida pelo palestrante motivacional Alexandre Abade, 34, e sua sócia, Simone de Moraes, de mesma idade, na forma de livro e de apresentações em empresas. "Obstáculo é fechar os olhos para o seu objetivo", ensina o administrador de empresas, que nasceu com osteogênese imperfeita, uma síndrome rara mais conhecida como doença dos ossos de vidro. A história de Alexandre foi revelada pelo Correio em agosto de 2009. Desde então, vem sendo convidado a inspirar outros com sua persistência em seguir objetivos, mesmo tendo acumulado 301 fraturas ao longo da vida. Só não quebrou a clavícula. Seus pais chegaram a vender o carro e a casa para pagar os tratamentos, sem sucesso. O mal começou a se estabilizar quando tinha 16 anos, graças à homeopatia e a uma longa etapa de reabilitação no hospital. Naquela época, escrevia com dificuldade o próprio nome e um abraço apertado poderia lhe render fraturas. Quando pôde voltar a frequentar a escola, conseguiu criar as condições para realizar seu desejo de fazer uma faculdade. Os estudos no ensino especial da rede pública duraram dois anos, mas, em poucos meses, já conseguia mostrar elevado rendimento. Formou-se em marketing em 2009 e em administração, no ano passado. Tamanha vitalidade levou a faculdade a convidá-lo a dar a primeira palestra sobre a sua história, sempre acompanhado de Simone, também narradora de outros casos de quem resistia às enfermidades. Vieram muitos outros convites depois e auditórios lotados de emocionados. Para dar conta da demanda de estatais, empresas e entidades, ele e a amiga tornaram-se empreendedores individuais. Muitos pedidos exigiam notas fiscais pelo trabalho de narrar e inspirar trajetórias, que custa R$ 1,5 mil por sessão. "Deixo claro às pessoas que todos podem dar novo rumo às suas vidas. As dificuldades me ensinaram muito", conta. A dupla lançou em agosto Faça a diferença (R$ 35), a biografia de Alex, como também é conhecido. Ele continua seus estudos e, agora, investe numa especialização em gestão de pessoas e na comunicação nas redes sociais."Levo uma vida normal e me comunico com o mundo por meio de um computador adaptado", revela o empreendedor, que planeja iniciar obras sociais em 2014. Razões do altruísmo Fernando Nogueira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), sublinha que as pessoas fazem doações a desconhecidos por razões biológicas reforçadas pela cultura. "Pesquisas relacionadas à evolução apresentam evidências de que nos sentimos bem ao sermos generosos. A doação ativaria centros de recompensa ou mesmo prazer no cérebro, o que nos motiva a doar novamente", observa. Essa capacidade geneticamente definida de sentir compaixão e de se importar com o sofrimento alheio é apoiada pela tradição, pela pressão social e por outras empatias que valorizam os beneméritos. "O papel de empreendedores sociais, ativistas, líderes e profissionais de ONGs é ajudar a exercitar esse potencial e desenvolver uma cultura mais forte de doação e voluntariado para todos", finaliza. Fonte: Correio Braziliense, 26 de dezembro de 2013

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