Dias de Gomes

A telenovela brasileira nunca foi só uma forma popular de entretenimento. Como produto cultural, difunde costumes, novas expressões e até mobiliza debates nacionais sobre questões polêmicas, coisa que as instituições democráticas nem sempre conseguem. Também serve de espelho para as diferentes características do povo, seu jeito de ser e de viver. Sobrevivendo às novas mídias eletrônicas, convivendo e até se apoiando nelas, a teledramaturgia quase setentona neste país manteve seu vigor e qualidade reconhecidos em todo o mundo.
O que mudou foi a sociedade nesse período, o perfil da economia e os valores cultivados pela família sempre sentada no sofá emhorário nobre. Entre essas adaptações aos novos tempos, percebo claramente uma distância cada vez maior do Brasil profundo da temática dos folhetins. O folclore, as lendas e os personagens caricatos que conviveram com aqueles que residiam ou vieram das cidadezinhas do interior estavam sempre presentes no enredo dos grandes sucessos de audiência.
A cara da população era a cara dos sertões, vilas e grotões. Quanto mais nos urbanizávamos, mais nostálgicas ficavamaquelas histórias emais difícil ficava achar no cotidiano algo parecidocomaquilo tudo. A sintonia era outra, com o microcosmo ajudanda explicar o macro. É claro que ainda encontramos figuras como aquelas descritas pelo imortal Dias Gomes, novelista baiano que criou um estilo único e, ao lado de Janete Clair, fundou uma indústria de conteúdos fabulosa. Resistem a tudo alguns Odoricos Paraguassu e viúvas Porcinas. Os elementos centrais do padre, do prefeito e do coronel faziam o jogo de tudo que era típico da gente espalhada pelo território vasto. Aqueles municípios fictícios tinham muito da alma nacional e, por isso, eramtão sensacionais. Éramos felizes naqueles dias de Gomes, que já alguns anos estão dando lugar a outras temáticas e agentes, com favelados, emergentes e filhos da violência. A luta de classes ficou mais complexa e metropolitana, e os sonhos menos rurais e ingênuos. Fonte: Correio Braziliense de 26/12/13

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