Além do tripé

Sílvio Ribas O pior malefício dos períodos de crise econômica — ou minicrises, como sugere o ministro da Fazenda, Guido Mantega — se abate sobre a visão de longo prazo. A urgência em superar desequilíbrios do momento inibe exercícios saudáveis de planejamento, com alvos nas gerações futuras. Resumindo: a angústia dos dias atuais não deixa espaço razoável para imaginarmos e, sobretudo, criarmos o amanhã. Ocorre que, sem pensar o Brasil nos próximos 20 ou 50 anos, postergamos a chance de fazer escolhas certas, deixamos de colocar empenho numa lista de objetivos estratégicos e, ainda, injetamos adrenalina demais em qualquer ação dedicada a driblar turbulências da hora. Prova disso é como o país reage à disparada do dólar. Contra a arrasadora tempestade que se avizinha, o Banco Central saca um guarda-chuva de US$ 100 bilhões. A estabilidade monetária deu à nação condições mínimas para sonhar com uma ascensão material. Mas o retrato de 2013 mais parece o de um ponto de interrogação no que se refere à sustentabilidade do sonho. A insegurança gerada pela inflação alta e pela expansão do Produto Interno Bruto (PIB) na metade das projeções mais otimistas cresce com erros e omissões gerados pela dedicação da presidente Dilma Rousseff em seguir no poder até 2018. O pessimismo que tracei até aqui só cede diante das surpreendentes e gigantescas manifestações de rua em junho, nas quais milhões de brasileiros exigiam agenda diferente da gestão da crise. O povo quer mais do que preservação de índices elevados de emprego, crédito farto e ganhos de renda acumulados. Os itens qualidade na educação, aprimoramento do SUS e garantia de mobilidade urbana invadiram a pauta nacional, atrelados a uma reinvindicação essencial: respeito pelo dinheiro público, com controle eficaz e critérios racionais de gastos. Em paralelo ao clamor cívico, variações de alta e de baixa da economia partem de fatores objetivos, como custos, preços e demandas. Mas também contemplam todas as expectativas reinantes. O mercado compra e vende impulsionado por interesses concretos, pelas ansiedades coletivas e pelos temores diante de ameaças reais ou hipotéticas. Qualquer que seja o desfecho da crise global deflagrada em 2008, a tarefa colocada sobre a mesa dos especialistas é fazer análise profunda do mundo atual, com olhos voltados para o comportamento de indivíduos e de nações. A economia está tão complexa quanto as relações interpessoais e internacionais, com tensões repentinas e reviravoltas de posições. No caso brasileiro, temos ainda de nos preocupar com a insegurança jurídica. Aqui, até o passado é incerto, como lembra frase célebre do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Luz engarrafada É na vida real que encontramos respostas para certas dúvidas econômicas. Se há riscos de retrocessos que estão sendo ignorados pelo Planalto, também há oportunidades de ouro para o progresso que estão sendo mal compreendidas por todos. A capacidade de o cidadão driblar o infortúnio com pernas tortas, como fazia Garrincha nos gramados, poderia ser capturada pelo empreendedorismo. Um gol de placa nesse sentido foi dado por Alfredo Moser, o inventor da luz engarrafada, uma ideia simples para iluminar casas usando só um frasco de PET cheio de água, pendurado no telhado. O modelo de mais largo consenso, baseado no equilíbrio fiscal e no crescente investimento direto ancorado em poupança doméstica, além de preços condizentes com a concorrência global, precisa de ideias desconcertantes e simples. Isso porque a econometria estrita não impede os mercados de criar e estourar ciclicamente suas bolhas especulativas, nas quais os primeiros ganham além do justo e os últimos amargam pesados prejuízos. Nesse roteiro básico, também teimam em se apresentar como esclarecidos e bem-intencionados os defensores do intervencionismo estatal, que, ao receberem carta branca, descambam para equívocos já revelados pela história e para a farra de oportunistas dentro e fora da máquina de governo. De volta ao quadro pintado pela crise atual, os pibinhos colhidos desde 2011 se devem a fatores externos adversos, como a difícil retomada de economias industrializadas, mas também de constrangimentos domésticos. O abandono do tripé macroeconômico — câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário — está pesando no bolso, na balança comercial e no fluxo de capitais. O governo fez bem em reconhecer o esgotamento do modelo baseado no consumo. Mas fez mal ao colocar o índice geral de preços em segundo plano e bancar um projeto de nova matriz econômica sem respeitar os interesses e receios de agentes do setor produtivo. A desconfiança geral se tornou a pior companhia de tempos incertos. O saldo já está aí: crescimento de 4% na Era Lula e de 2% na Era Dilma. Nova agenda Se houver uma pausa na crise para espiar um horizonte mais adiante ou plataformas consistentes dos candidatos à Presidência em 2014, gostaria de debater um novo tripé, a ser acrescido ao tripé abandonado tão logo seja restaurado. Seus pilares seriam inovação radical, abertura comercial e simplicidade institucional. A inovação industrial é uma chamada global, que está tirando os Estados Unidos da estagnação. A abertura comercial pode colocar o Brasil na rota de novas correntes, além Mercosul. Por fim, passou da hora enxugar regras e instituições que roubam eficiência econômica. Fonte: Correio Braziliense - 02/09/2013

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