Gotas de sinceridade

Por Sílvio Ribas - Correio Braziliense - 20/12/2012
Como rachaduras em um gigantesco reservatório de cinismo, começaram a pingar gotas de sinceridade em áreas distintas do governo. O mais recente surto de realismo de uma autoridade, verbalizando o que a sociedade já sabia, mas o discurso oficial não reconhecia, também deverá se confirmar como contribuição para o país enfrentar seus problemas na dimensão que eles têm. Depois de o Planalto repreender várias vezes os que confirmavam a existência de apagões ou apaguinhos, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, acabou indo além da inútil batalha semântica e atestou que a malha de transmissão requer, sim, investimentos bilionários para ser robusta de fato. E mais: o caixa federal não suporta a tarefa de dar fornecimento seguro de eletricidade para todos. Isso requer, na avaliação do responsável pela estabilidade da distribuição das cargas, custos adicionais à conta de luz. A declaração veio no mesmo momento que a própria presidente Dilma Rousseff faz tudo pela modicidade tarifária e depois de transcorrer ao longo do ano quase 90 “perturbações do sistema”, um dos vários eufemismos adotados no lugar de blecautes. Outros corações sinceros se abriram no poder. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tem declarado que a dinheirama do pré-sal precisa ter bom uso para não engordar a máquina pública, afirmação memorável para um líder petista. Ele também tem discursado em favor de mais qualidade no ensino, sobretudo o fundamental, ressaltando que a maior concessão de canudos universitários não significa necessariamente um país mais instruído. Nota 10. A mesma vale para a presidente quando diz que o ensino médio tem “números estarrecedores” e falta mais português e matemática na sala de aula. Muito antes de o espírito natalino bater às portas da Esplanada dos Ministérios, a onda de declarações verdadeiras começou com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao se referir ao complexo prisional brasileiro. “Prefiro morrer a ir preso”, declarou. O debate em torno da falência de décadas das cadeias ganhou o reforço de que precisava. Falta ouvirmos “revelações” no que se refere à independência do Banco Central, às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) etc. etc. etc.

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