Discurso de Formatura

Jornalistas. Agora somos jornalistas. Chegando ao final do curso e à formatura, muito de nós foi aprimorado, outras coisas desperdiçamos, mas, enfim, essa caminhada serviu para reiterar nossa insistência em querer ser jornalista. Privilégio de poucos, atravessamos a barreira do vestibular e a que separa o estudante de jornalismo do profissional ou, talvez, do profissional ainda não-reconhecido do oficialmente registrado.

E a idéia de chegar lá com o diploma de graduação e carregar os atributos que julgamos poder reunir em quatro esperançosos anos de faculdade está aí concretizada, diante de nós. O talento, a arte, o companheirismo, a alegria, a decepção, o amadurecimento e, principalmente, a certeza de que podíamos ou tínhamos que ser jornalistas, assim como variados problemas, fizeram parte desse período habilitador. Esmerados trabalhos, noites mal-dormidas, sufocos de última hora foram algumas pontuações na balança desse tempo. O apoio dos nossos pais, parentes e amigos foi fundamental.

Em nosso curso e na profissão por nós eleita, o melhor é procurar mais esperança no que fazemos. Ao nos dedicarmos a todas as atividades de comunicação social, vislumbramos os diversos momentos em que, elaborando a informação para o outro, o prazer de trabalhar com o que se gosta e a realização pessoal seriam desejos cotidianamente saciados.

É claro que as posições equivocadamente romanceadas foram de pronto anuladas. Os concretos obstáculos a serem transpostos e o necessário comportamento ético nos são agora evidenciados. Não podemos responder com lamentações ou “jeitinhos” às dificuldades no mercado de trabalho. Nós, trabalhadores, sabemos as razões que nos facultam agir com índole altiva e perseverante.

A verdade é que nos testamos em diversas disciplinas, combinamos conhecimentos desenvolvidos na escola com nossas habilidades, concepções próprias e experiências colhidas no dia-a-dia, interagindo com colegas e professores.

A lição primeira que extraímos disso tudo é que: seja em qualquer perspectiva em que vinculemos a mensagem para o público da mídia, ou em públicos segmentados, a nossa partida e o nosso fim é servir àquele que está do outro lado, anônimo. Isso na Grande Imprensa ou na Imprensa Alternativa e também em outros campos como o jornalismo regional, do interior e de bairros. Mas o nosso servir é que liga responsabilidades com compensações materiais e objetivos idôneos e nobres.

A grande notícia, o grande fato, a enorme mensagem a ser levada por vocês, novos jornalistas, é toda aquela colhida no sincero desejo de informar, integrar e esclarecer com base na verdade e no respeito a quem recebe. O direito à informação é, pois, nossa primeira reivindicação como participantes da sociedade.

A figura do homem debruçado sobre a máquina de escrever, paletó sobre o encosto da cadeira, mangas arregaçadas, barba rala, cigarro no canto da boca, gravata afrouxada e chapéu sobre a mesa com “PRESS”escrito na lapela é apenas um dos vários arquétipo atribuídos ao jornalista.

A missão é augusta, a profissão árdua, mas a paixão e a capacidade também contam. Não há como ignorar as novas realidades que se impõem diariamente: A revolução tecnológica e a globalização da informação, o fim da aventura socialista no Leste Europeu e a crise do capitalismo, a ecologia. O mundo mudou e nós mudamos. Mas, por outra ordem, não há também como fugir do nosso compromisso de ser, antes de tudo, íntegros e sensíveis naquilo que fazemos.

Seguir firme na luta pela autoconfiança, pela vida, não resume apenas em satisfazer a imperiosa demanda do cidadão contemporâneo por informação. Temos que nos comprometer igualmente com a dignidade da missão jornalística. Os muros caem e outras realidades despontam. Temos que dar conta deles sem perplexidade nem euforia.

Hoje, o retrato do jornalista em geral não condiz com o que ele representa para a sociedade. O que faz um jornalista continuar trabalhando muito e tensamente, perdendo sua saúde, e receber salários baixos? Além de sacrificar-se por uma emoção própria que não é regra sem fundamento, nem esforço sem finalidade, esse trabalhador sustenta o elo entre os fatos, o poder e a população.

Nada, entretanto, pode impedir que protestemos obstinadamente, que denunciemos as explorações e que lutemos por um reconhecimento e condições de renda dignos. Precisamos, pois, fortalecer instâncias como o nosso Sindicato. Queremos ser jornalistas sim, mas também queremos a recompensa justa pelo trabalho.

Por receber a totalidade da tensão social, que não é sentida nem real nem imaginariamente pela população, o stress é uma realidade para a maioria dos jornalistas. O profundo desgaste físico e emocional a que estamos sujeitos requer uma consciência de todos no sentido de buscar formas de minorar os efeitos contrários à profissão que mais tende à decepção.

Como sabem, o jornalismo também reserva riscos contra a vida de seus artífices. A aposentadoria especial e a jornada de trabalho menor são garantias ameaçadas e que não podemos prescindir porque não são privilégios mas sim necessidades. Outros avanços que defendemos são o diploma obrigatório para o exercício da profissão e a elaboração de uma nova Lei de Imprensa sob novos parâmetros, mais democráticos.

Talvez, por quaisquer razões, alguns de nós não exercerão o jornalismo ou, pelo menos, não como desejavam ou mesmo venha a abandoná-lo. Na realidade, qualquer função que exerçamos não abafará aquilo pelo qual juramos hoje - somos jornalistas, e assim até a última palavra por nós produzida e veiculada. E saberemos disso na reportagem, no comentário, na arte gráfica, em todos os momentos em que operaremos nossa função comum. O importante é sermos felizes no nosso emprego.

Colegas, quanto à nossa amizade, espero que não contemos apenas com a memória para trazê-la à nossa presença. Vamos praticá-la e investir no muito que ela pode nos dar. Uma das coisas que valeram nesse curso foram as pessoas que nele conheci, tornei-me amigo e devoto respeito.

É normal que venhamos a pôr na alma um irrefreável desejo de galgar posições superiores. Mas é bom não ceder às tentações do popularismo que são "méritos" falsos ou às perigosas pressões para envolver-se com interesses escusos de poderosos. Na nossa, assim como em qualquer outra profissão, temos que ser humildes e, desta forma, honrados.

A honra quando se perde, nunca mais se recupera. Não se pode admitir que um jornalista tire vantagens de sua posição e que use de meios "espertos" e traiçoeiros em proveito pessoal. Apostemos exclusivamente em nossa competência e não deixemos que a deslealdade e mesquinharia se façam presentes nas ferozes disputas de mercado de trabalho.

É preciso alertar contra o risco de informar com leviandade, de noticiar errado ou de invadir a integridade e a segurança do indivíduo. Há que se antever as consequências, antes de levar algo a público. Peço a Deus que nos acompanhe hoje e sempre e nos motive positivamente com sua inatingível perfeição.

Não cabe a nós dar soluções para os graves problemas sociais. Mas, por outro lado, não podemos ficar impassíveis à grave situação de nosso país, à miséria e à fome. Nosso dever é, pois, sem intervir na verdade dos acontecimentos, mostrar e demonstrar fatos que evidenciem contradições, tragam esclarecimento e esperança por mudança.

A imprensa é lugar para o gesto elevado, para o altruísmo e, por que não dizer, para o bom humor do jornalista. E o jornalista é na imprensa a possibilidade de fazer desta um setor de promoção da justiça. Nós não fazemos, nem julgamos, muito menos executamos as leis. Mas, por qualidades enaltecedoras desse profissional que é artista, batalhador, herói, observaremos a todo instante a defesa da justeza de seus conteúdos e aplicações.
A democracia brasileira pode se efetivar através de uma discussão franca e saudável, conduzida, necessariamente, por uma imprensa livre e corajosa. E o jornalista é um dos articuladores dessa discussão sem, entretanto, ter de assumir responsabilidades dirigidas ao cidadão.

Neste sentido, a população intui corretamente quando reconhece no jornalista o incontrastável porta-voz dos clamores sociais, dos fatos do interesse popular, o divulgador de sua expressão. Pela excelência da função que se preceitua nos princípios democráticos e que é condição distinta para a sua garantia, clamo aos colegas bacharéis em Comunicação Social para que respondam com fidelidade a função, sabendo que as dificuldades não deslustram a honra de ser jornalista.

Seja nas ondas eletrônicas ou impressas, nós, como pessoas, ganhamos novas dimensões, as dimensões que o tamanho e extensão das mensagens que levamos nos credencia. Agentes ou não das transformações, nós, jornalistas, somos simples cidadãos que, além de zelar pela cidadania, somos seus guardiães.

Outros que se dirigem ao povo, escolhidos ou não por ele, como os governantes, podem conseguir poder omitindo informação. O jornalista, elo entre o poder institucional e a massa, não pode ocultar informação sem um motivo de ordem moral porque tudo o que ele sabe ele fala. Porque ele não governa, ele informa.

É por essas e outras que “jornalista” é o título que honrosamente gostaríamos de envergar.

Obrigado.


Sílvio Ribas
Belo Horizonte, 7 de dezembro de 1991

Comentários