Reportagem do Zé Grandão

Reproduzo, a seguir, trecho do segundo livro do meu falecido amigo José Roberto Alencar, o Zé Grandão. Ele explica como surgiu uma matéria que fez brilhantemente em minha querida Floripa, meses depois de eu ter saído de lá. Generoso como sempre, ele fez questão de citar no "making of" os colegas que colaboraram com a pauta. Retirei esse texto do blog do professor catarinense César Valente, que também foi colega meu e do Zé Alencar nos tempos gloriosos de GZM.

– “O Panorama Debaixo da Ponte”, gosta?

Não entendi, mas gostei. Sílvio Ribas trabalhou na sucursal mineira da Gazeta Mercantil e, depois, chefiou com muita competência a catarinense. Das duas sobraram pautas que ele não teve tempo de transformar em matérias, em geral gostosas de fazer e saborosas. Por isso, quando ficava sem, eu lhe pedia pautas. Agora, lá estava eu diante da mesa do Sílvio, à cata de outra pauta. E ele me sugeria “O Panorama Debaixo da Ponte”.

– Gostei do título. Detalha.

– É a Hercílio Luz. Debaixo dela, em vez de mendigos, moram bares, restaurantes, agências turísticas, escola náutica, estaleiros, empresas pesqueiras. Dá matéria divertida. Quer?

– Deus lhe pague.

– E por cima dela também passou muita história. O Partido Comunista nasceu na cidade pelas mãos dos seus operários. E lá do alto jogaram no mar os ônibus urbanos de Florianópolis.

Ao voltar para minha mesa, e antes mesmo de pedir aprovação da pauta e da viagem para a chefia, vejo César Valente, editor de Política, dono de um dos melhores textos da imprensa brasileira (e pai de Pedro Valente – geninho da nova geração de jornalistas). César é barriga-verde. Vou falar da pauta e ele me interrompe:

– Foi de lá que a população jogou no mar as jardineiras da Viação Valente, da minha família. Tenho tias em Floripa que podem te contar a história inteira.

Além de me ceder as fontes familiares, César ainda me daria outra sorte: chegaria em Florianópolis no mesmo sábado, junto comigo. Mostrou-me a ilha toda, deu-me uma montoeira de dicas e descobriu que a ONG de sua mulher financiava pesquisas oceanográficas – debaixo da ponte. Ela se encarregou de marcar a entrevista com o pesquisador chefe do projeto, da Universidade Federal de Santa Catarina. De quebra, marcou também com o engenheiro responsável pela Hercílio Luz.

Ficou fácil demais fazer a matéria? Ainda não. Gladinston Silvestrini, repórter da sucursal, tinha outra penca de dicas, um belo arquivo e imensa facilidade para agendar entrevistas. E a vida ficaria ainda mais fácil depois de me encontrar, em Floripa, com Geraldo Hasse, velho amigo e companheiro já nos velhos tempos de Abril e da equipe de Reportagem Especial da Folha de S. Paulo. Geraldo, estudioso, conhecia a história da ponte e do Estreito (ainda hoje o bairro mais populoso de Florianópolis) melhor do que muito professor de História local.

Assim, quando o táxi me deixou na 14 de Julho, no Estreito, na manhã de segunda-feira, já sabia tudo sobre (e sob) a Hercílio Luz. Só não sabia que uma das empresas lá instaladas era, simplesmente, uma das maiores indústrias pesqueiras do país.

PS: Com o título “Debaixo da Velha Ponte, um Rico Panorama”, a matéria foi publicada na Gazeta Mercantil, em 06/08/2001.

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