"Aquela bunda me salvou"
Sílvio Ribas
Quem me trouxe esse saboroso e desconhecido episódio da
fantástica biografia do antropólogo, etimólogo, educador, escritor e político
Darcy Ribeiro (1922-1997) foi o meu amigo Walter Fróes, empresário natural de
Patos de Minas. Ele contou o que Darcy, mineiro de Montes Claros, revelou ao
Walter Fróes pai, colega de escola na infância e amigo de toda a vida, sobre como
sobreviveu pela primeira vez, 23 anos antes de seu encontro fatal com os males
causados pelo cigarro.
Fumante inveterado desde a adolescência, o genial ex-senador
e ex-ministro da Educação estava passando férias em Portugal, em dezembro de
1974, quando descobriu que sofria de câncer pulmonar. Na época, Darcy vivia no
exílio em países da América Latina desde 1968 e teve o seu retorno ao país
autorizado pelo regime militar. “Imaginavam que eu voltaria para morrer”, disse
ele em entrevistas. Tratou-se no Brasil e ficou totalmente curado após ter um dos pulmões extraído.
Apesar do sucesso do tratamento, Darcy contou ao pai de Walter o que acreditava ser a verdadeira razão de sua salvação. Internado por vários dias e imobilizado na cama do hospital no Rio de Janeiro, ele pediu um último favor à enfermeira que cuidava dele, temendo estar condenado: “Por favor, deixe-me ver a sua bunda”. Generosa, a profissional de saúde virou-se de costas, baixou a calcinha e levantou a saia. “Aquela bunda me salvou”, brincou o gênio mais apaixonado pelo povo brasileiro.
Darcy Ribeiro faleceu no 17 de fevereiro de 1997, após uma
longa batalha contra um câncer generalizado. Dois anos antes, em janeiro de
1995, um mês após a internação na UTI, quando já era considerado paciente
terminal, ele foge do hospital para concluir em uma casa de praia em Maricá
(RJ) O Povo Brasileiro, seu livro clássico sobre a identidade nacional.
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