Churchill no sertão mineiro

 

Sílvio Ribas

No fim da Segunda Guerra Mundial, Curvelo estava em festa. Quando muitos soldados brasileiros voltavam para casa, algumas famílias dessa pequena cidade do sertão mineiro aguardavam ansiosamente os seus. Entre os conterrâneos empolgados estava a Dona Luzia, uma viúva de idade avançada. Ela ansiava com o coração cheio de saudade o retorno do filho mais velho, Geraldo Magela, que havia lutado bravamente na Itália.

Famosa por sua simpatia e teimosia, Luzia chegou à estação ferroviária cedo, bem antes da hora do almoço, determinada a garantir um bom lugar para ver o seu primogênito desembarcar no horário previsto, começo da tarde. Com a filha mais nova, Clarinha, ao lado, ela se acomodou em um banco de madeira, de onde podia observar de perto os trilhos que davam em Belo Horizonte.

Enquanto a velha mãe contava os minutos faltantes da sua longa espera, algo inusitado ocorria lá no trem que trazia Geraldo. Em um dos primeiros vagões, um senhor idoso e obeso, conhecido pelos curvelanos por Anselmo do Açougue, sentiu uma cólica intestinal tão forte e repentina que mal conseguia se manter de pé. Desesperado, ele se dirigiu ao único sanitário da composição, apenas para descobrir que estava ocupado.

Sem alternativa, Seu Anselmo tomou uma decisão drástica, optando pelo improviso: baixou as calças e cuecas e, de forma desajeitada, posicionou rápido o traseiro na janela do vagão-restaurante, que estava vazio. Esse era a seu ver o meio menos vergonhoso de tentar aliviar-se antes que fosse tarde demais.

Nesse meio tempo, a locomotiva já apitava, avisando da chegada iminente à estação de Curvelo. Dona Luzia, que apesar de sua vitalidade não enxergava tão bem, se esforçava para distinguir as formas que surgiam distantes sob a espessa coluna de fumaça do trem. De repente, cercada de dezenas de outros cidadãos locais, ela viu algo que a intrigou. Um vulto arredondado parecia se mexer em uma das janelas de um dos vagões.

A velha curiosa virou-se então para a filha e, com um sorriso de satisfação, comentou animadamente: “Olha lá, Clarinha do céu, que engraçado! Muito engraçado! Um homem bochechudo fumando charuto! Será que o Winston Churchill veio aqui para acompanhar a chegada dos nossos combatentes na Europa?"

A moça espevitada, que tinha visão bem mais nítida de tudo o que se passava, arregalou os olhos e soltou uma gargalhada. “Mãe! Não é o rosto de ninguém! É o bumbum gordo de alguém que está fazendo as suas necessidades bem na nossa cara! Quem será esse descarado?”, explicou ela.

Luiza, sempre bem disposta, caiu na risada junto com a filha. Mas, com um toque de bom humor ao encarar sua miopia, retrucou: “Pois para mim ainda é um simpático fumante de um sofisticado produto cubano. E, quer saber? Se o Churchill não veio, ele perdeu a chance de comer uma boa broa de milho em nossa cozinha”.

E assim, entre risos e comentários espirituosos, a mãe feliz e orgulhosa abriu finalmente os braços para abraçar demoradamente logo a segir o corajoso filho. Ele chegou trazendo na bagagem histórias do velho mundo, que se juntaram à do pitoresco incidente do “Churchill no sertão”. Este, aliás, virou o novo apelido de Anselmo, que não conseguiu o anonimato de sua proeza fisiológica. O causo dele foi para os anais da família de Luzia.

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