Um mausoléu para o Padre Corvello
A recente morte do historiador
Geraldo de Souza me pôs a refletir sobre o fato terrível de que o trabalho dele
e de tantos que o antecederam merecia e merece prosperar, pois a biografia
de alguém tão relevante para a história curvelana, mineira e nacional quanto o redentorista Corvello (com o em vez de u e dois eles) está incompleta e precisa ser difundida. Sabemos que nasceu em Vila Real (BA), mas desconhecemos a data do nascimento, por exemplo. O
polêmico fundador baiano de uma extensa localidade no coração de Minas Gerais está
conectado ao episódio histórico da Guerra dos Emboabas, maior conflito armado
das Américas até então, à expansão da agropecuária pelo interior da
colônia e, ainda, às raízes açorianas no Brasil. Relatos de professores como
Geraldo Rodrigues Álvares (Geraldinho) e Carla Anastasia dão conta da
importância da personalidade e da trajetória de Corvello.
Grande fazendeiro, escravocrata, pistoleiro,
sacerdote... um homem multifacetado, um desafio aos pesquisadores de ontem e de hoje. Se não fosse Sílvio Gabriel Diniz encontrar no Museu do Ouro, em Sabará (MG),
o testamento dele, saberíamos quase nada sobre um mito que muito diz sobre quem
somos. A história desse filho de uma família de latifundiários, que tinha quatro
irmãos também padres, explica a força do papel singular de líderes católicos enraizados na nossa terra. Não por acaso tivemos padres prefeito, o Monsenhor João Tavares
de Sousa, em 1947, e presidente da câmara, o Monsenhor Francisco Xavier de
Almeida Rolim, vereador de 1892 a 1937.
Por essas e outras razões, clamo
aos meus conterrâneos que iniciemos uma agenda com 300 anos de atraso. É
preciso jogar luz sobre a memória e o legado deste ícone de nossa história,
responsável pelo começo de tudo no munícipio. Essa missão pode ser cumprida na forma de
uma ação da administração municipal, de uma campanha de uma entidade civil ou
de um simples movimento no qual embarcariam cidadãos de origens diversas, cada
um contribuindo com seu tempo, suas ideias e seus recursos. Vamos nessa? Todos temos a ganhar,
desde a nossa autoestima ao turismo local.
Para ser mais específico,
proponho uma tarefa que não tem nada de macabra: o erguimento de um mausoléu
para o Padre Corvello. Ele representaria mais do que uma homenagem
póstuma a um homem esquecido pelos descuidos de gerações que o sucederam. Seria um símbolo poderoso
de reconexão com as nossas raízes, um tributo àquele que fundou o arraial que
viraria Curvelo e cujos feitos foram enterrados pela poeira do tempo. Para começo de
conversa, é preciso ir até os seus restos mortais, sobre cuja localização também pairam
constrangedoras dúvidas. Até onde eu me lembro, dos meus tempos de menino, o pedestal
na Praça do Santuário era a indicação oficial de onde ele estaria no seu repouso eterno. Até mesmo essa placa dos anos 1950 destacada no vértice da calçada de pedras desapareceu subitamente, sem darem qualquer aviso.
Em meio à correria da vida
moderna, é fácil esquecer os pilares sobre os quais a nossa cidade foi erguida.
Mas o Padre Antônio Corvello de Ávila, com mesmo nome de nosso padroeiro, não
deveria continuar sendo relegado ao anonimato. Sua vida, marcada por embates com a metrópole e
por uma influência regional incomparável, merece ser resgatada de vez do
esquecimento. Sabemos pouco sobre ele e promovemos pouquíssimo a sua história, admitamos todos.
Explorar aspectos da conquista do solo mineiro, a influência nele da fé católica e
as ganâncias do Império Português nos anos de 1700 ajudaria a compormos um retrato
mais completo desse personagem enigmático. Olha aí um tema para redação escolar dos alunos de Curvelo!
Corvello não era apenas um líder
religioso, mas também um estrategista político e paramilitar e um empreendedor visionário,
cujas ações ecoam até os dias de hoje. Como que saído das novelas globais de Dias Gomes, o Padre
Corvello personificava a tríade do poder local – prefeito, coronel e padre –,
mas todos esses em um só personagem. Ele transcendeu as fronteiras da Igreja,
da política e da economia, moldando o destino de nosso torrão de maneira que ainda
não compreendemos plenamente.
A elaboração de estudos e a construção de um monumento em sua honra não são apenas questões de honra, mas a grande oportunidade para os curvelanos reconciliarem-se com o seu próprio berço, reconhecendo o papel desse personagem seminal para como nos vemos. E o momento melhor para iniciar essa discussão é justamente durante o período de campanha municipal. É hora de reavivar o interesse pelo nosso fundador, de salvar sua biografia do abismo do esquecimento e criar marcos para evidenciar a sua importância antológica. É hora de dar vida novamente ao padre primeiro e, com ele, engrandecer ainda mais o nosso orgulho.
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