A trilha do jovem baladeiro


A nossa adolescência naqueles divertidos anos 1980 era um convite para degustar amostras dos prazeres da vida adulta. Sem o peso completo da responsabilidade dos maiores de idade, nos lançávamos às nossas primeiras imersões noturnas em busca de diversão, amor e autodescoberta. Sob o jugo da rígida moral católica, os garotos da pequena e sertaneja Curvelo (MG) debutavam cedo, por volta dos 13, liberados para percorrerem, sozinhos ou em bandos, bares, praças, festividades populares e sedes urbanas dos clubes sociais. O objetivo central dessas incursões, dignas de um ritual de iniciação, era ganhar simpatia de belas garotas da cidade.

Recordo-me com ternura do trajeto plano, quase todo em linha reta e cortado por poucas ruas, entre a minha casa e a Benedito Valadares, que depois poderia estender-se um pouco mais até o Recreativo ou desviar-se para mesas barulhentas nas calçadas, em aglomeração com amigos. Eram nesses pontos de chegada que ocorriam os momentos mais esperados das noites de sábado, com destaque para as horas dançantes, sejam em salões ou no ginásio coberto. Lá estávamos nós em missão de paquera, focados no prêmio de receptivos lábios femininos.

Meus passos dessa caminhada até a celebração da juventude eram lentos, mas o coração galopava em descompasso. Pelas calçadas poeirentas da área central, eu seguia elegantemente trajado com minhas calças jeans, sapatos de sair à noite, camisas de cetim confeccionadas pela costureira, cabelos domados com gel fixador, perfumado com desodorante e mais uma sutil essência. No fundo do bolso, levava balas de mentol para refrescar o hálito e um frasco mini de Musk, aroma para nos socorrer dos efeitos do avançar das horas em lugares quentes e agitados. Bastava uma pontinha atrás da orelha e no pulso.

Contávamos com a tolerância ou até mesmo com o apoio dos donos dos estabelecimentos noturnos, que nos vendiam cerveja e outras bebidas alcoólicas. Ou então, confiávamos na sorte ou na vista grossa dos agentes do juizado de menores, com as suas batidas esporádicas. De toda forma, nós, homens, desfrutávamos dos privilégios do machismo da época, que dava asas às nossas aventuras. O risco residia em ultrapassar os limites e acabar mal com o excesso de ingestão de louras geladas, sobretudo se misturadas a outros drinques. Saber beber era fundamental para curtir plenamente as baladas e impedir vexames dentro e fora da residência.

Antes de alcançarmos o destino de nossa peregrinação solitária ou em grupo, podíamos quebrar o caminho para admirar as fachadas de lojas e carros novos nas ruas. O mais interessante a relembrar hoje é o hábito de ir ao encontro dos espelhos da farmácia Jota, onde também dávamos uma pesada na antiga balança, mais certamente, na vitrine interna e iluminada da Casa Mascarenhas, loja de vestuário onde uma moldura pendia, nos aguardando para dar a última conferida no visual, reproduzindo o nosso semblante com um chapeuzinho verde pintado na superfície. A entrada no recinto desprovido de câmeras de segurança, alarmes ou guardas era algo de uma época mais civilizada que atual. Ah, que saudades daquela parada técnica antes da e comparecer à balada (não chamávamos assim).

Em tempos sem celular e redes sociais, as conversas animadas em botecos, em rodinhas à beira da fonte luminosa ou na entrada do local da badalação eram o prelúdio do encontro mais esperado de sempre. Na pista de dança, éramos brindados com a grande oportunidade de nos aproximarmos daquela que mais nos cativava aos olhos. No ambiente escuro, iluminado por estroboscópios, envolto em suave névoa do gelo seco e pincelado pelos brilhos de refletores coloridos e globos espelhados víamos a porta do paraíso se abrir convidativamente. 

O baile era sonorizado por uma empresa terceirizada, que nos trazia o melhor das trilhas sonoras do cinema, da tevê e dos videoclipes. Não há, para mim, melhor música que aquelas da nossa viagem oitentista. Nesse combinado perfeito de som e imagem, nossos alvos podiam ser a filha do dono da mercearia, a prima de uma amiga que mora em outro estado, a estudante da mesma escola, mas de uma classe mais adiantada, a moradora de uma rua detrás da nossa. Ah, essas lindas damas dos sonhos! 

Apesar desse leque de possibilidades, durante toda a adolescência, a minha maior companheira nas investias em compromissos festivos era a repugnante e persistente timidez. Tinha coragem para chegar ao local do clique romântico imprevisto e potencial, mas fraquejava no momento decisivo. Moças encantadoras, deslumbrantes e inesquecíveis me deixavam vidrado. A mexida no cabelo, que diziam ser a senha de atenção correspondida, o olhar de relance com sorriso contido para o ambiente, o desfilar de um lugar para o outro do campo de batalha, tudo era aferido e nos cobrava atitudes assertivas. 

Eu ia ao banheiro, molhava o cabelo, lavava o rosto e retornava à pista. Conseguia puxar conversa, avançava uma casa no jogo de ludo. Convidava para dançar com os corpos colados, avançava mais duas casas. Mas me perdia na terceira investida e voltava à linha de largada do tabuleiro. Lembro-me aqui de uma crônica do Zé Curvelindo sobre esse momento de antessala do sonhado amasso que detonaria fogo de artifício na nossa mente, encheria o peito de alegria e alimentava a esperança de reencontros. Trocou telefone? Sim.

Dependendo do desfecho desse quadro, a minha volta para o lar, na Rua Sete de Setembro, entre a Igreja da Matriz e o Santuário de São Gerardo, poderia ser de júbilo, triunfante após despedir-me na porta do baile de uma figura feminina especial, ou mesmo de tê-la deixado em casa. Ou poderia ser um retorno atribulado, chutando latinhas amassadas, praguejando e brigando comigo mesmo pela falta de ousadia. De consolo apenas teria um delicioso cachorro-quente do Claudinho. 

Podia olhar para o céu e ver ainda mais estrelas do que já havia em seu pano negro de fundo. Ou poderia notar que todas haviam se apagado, ou que uma fina e fria chuva me acompanharia de volta até o portão dos meus pais. Um último suspiro, de felicidade ou tristeza, me acompanharia ao final no travesseiro antes de dormir. Restou nostalgia, respeito pela fase boa da vida e gratidão por aquilo tudo.

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