Concessões ao lucro
Publicado em 18/02/2013 no Correio Braziliense. Por Sílvio Ribas.
Os 40 dias da quaresma representam um período de autorreflexão. O governo, infelizmente, não tem mais esse tempo para analisar os seus erros na condução da política econômica e ainda está com pressa para consagrar esse período do calendário católico como virada, após dois anos de pibinhos. A esperança para os analistas está na percepção de que o susto com os números fracos da economia (sobretudo da indústria) no segundo semestre de 2012 deve ter ajudado a presidente Dilma Rousseff a entender, enfim, que apelos são insuficientes para libertar o espírito animal dos empresários.
Ela ouviu nas últimas semanas, reservadamente, de alguns dos principais líderes empresariais do país que as constantes mexidas do Estado nas regras do jogo, sem diálogo, deixaram ressabiado até o dono da padaria, com medo de investir. Até então, a chefe do Executivo só vinha combatendo a desconfiança da iniciativa privada com discursos nos quais enaltecia seu apreço aos contratos e renovava o convite para todos apostarem nas oportunidades de um mercado exuberante como o brasileiro.
De nada adiantou, e os homens e as mulheres de negócios continuaram com um pé atrás. Até que, após assistir ao desânimo de potenciais interessados com a licitação das rodovias BR-040 e BR-116, Dilma acendeu uma pequena luz no fim do túnel. Ela tratou de mandar o seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, também convertido em garoto propaganda internacional dos pacotes logísticos, modificar editais para aumentar o apetite dos investidores. A adequação ampliou prazos, engordou financiamentos e, o mais importante, dobrou o retorno financeiro previsto.
O grande fosso que ainda separa as boas intenções de Dilma para recolocar o país no caminho do desenvolvimento sustentável, enfrentando com a sua peculiar coragem as carências estruturais da economia nacional, está mesmo no preconceito ideológico dela com o lucro almejado por grandes grupos privados. Esse desejo natural por rentabilidade acaba sendo tido como uma expressão da ganância capitalista de poderosos, vistos sempre como uns exploradores sem escrúpulo.
A insistência na fórmula de querer o máximo de investimento pelo mínimo preço pago pelo usuário de um serviço concedido pode até não ser populismo, mas é, sem dúvida, contrariar a lógica mais primária do capitalismo. O capital aceita riscos próprios do empreendimento, mas também faz questão de tentar dimensioná-los com todos os detalhes possíveis. O risco político até faz parte dessa avaliação, mas também é o mais abominado em razão de sua imprevisibilidade. Nesse sentido, as atuais privatizações envergonhadas, que não ousam dizer o seu nome, são bem-vindas, mas insuficientes.
Almoço grátis
O começo de um debate sobre concessões deveria ser a análise
do fato de que “não existe almoço grátis”, expressão criada pelo
norte-americanoMilton Friedman, Nobel de Economia. Em
outras palavras, todos produtos e serviços oferecidos aos cidadãos
de um país—sejam eles pelas mãos do Estado ou pelas da
iniciativa privada—implicaram necessariamente em gastos.
Esses custos para atender
demandasexplícitasouimplícitas
tiveramde ser bancados
pelo bolso de alguém—ou
pessoas físicas, ou empresas
ou por ambas. E a forma comoessepagadorsaldouaconta,
direta ou indiretamente,
espontânea ou compulsoriamente,
foi ou na condição de
consumidor, ou na de contribuinteouemambas.
Compreendidoesse princípio
óbvio, a discussão seguinte
seria como tornar as
relações de cobrança e de
pagamento na economia as
mais transparentes possíveis.
Nesse sentido, os defensores
de uma ampliação
das concessões públicas
apontam como vantagem
desse modelo sobre o estatal
puro não apenas a qualidade e a eficácia do atendimento ao
público. Eles consideram os contratos uma forma de se fazer justiça
tributária ao estabelecer condições abertas à consulta popular,
informando com clareza até quanto se ganha com os bens
concedidos e para onde vão os recursos arrecadados.
E o mais importante: só paga pela energia, pela estrada, pelo telefone,
pelo aeroporto, pelo porto e pela rodoviáriaquemefetivamente
usa. E também há outras situações intermediárias que resultamem
economiaaos cofres públicos, exibindo indicadoresoperacionaismelhores,
caso das penitenciárias privatizadas, porexemplo.
Otabunãopodeexistirmais.Bastalembraroexemplochinês.Asegunda
maior economia do planeta,umapotência comunista, atraiu
capital produtivo como nunca, não apresentando como vantagem o
potencial do mercado interno, mas, sim, custos baixos e lucros elevados.
Ao lançarumpacote para modernizar os portos, o governo tambémprecisaria
teremmentequeosefeitosdessamedidanãosãoapenas
favoráveis às exportações, mas tambémàs importações. Isso ajuda
a conectar o país ao complexo arranjo produtivo global.Hoje, não
se sabedeondevêmos produtos.fora de cogitação, talvez algumas doses de realismo evitem o pior.
Resumo da ópera
Armando Castelar Pinheiro, economista da Fundação Getulio
Vargas (FGV-RJ), resumebemas razões para a taxa baixa de investimento,
como reflexo do ambiente de negócios adverso, envolvendo
carga tributária alta e complexa, má qualidade e instabilidade
das regras, burocracia, insegurança jurídica e, o mais óbvio, carência
de infraestrutura. “Sem melhorarmos esses fundamentos, será
difícil alcançar de forma sustentada o ritmo de crescimento que
nos permitirá vencercomvelocidade razoável o hiato de renda que
nos separa dos países desenvolvidos”, sentencia. As medidas adotadas
até agora não fizeramisso e, na melhor das hipóteses, melhorarammargens
de setoresemdificuldades e baixaramestoques.
Odiagnóstico do mais amplo consenso, dentro e fora do governo,
de que só o investimento direto, sobretudoeminfraestrutura, pode tirar
aeconomiadomarasmo, poderia até evoluirumpouquinhomais.
Isso porque não será fácil fazer a galinha da economia brasileira voar
até 2014 para confirmara popularidadedogoverno aomesmotempo
que a alta generalizada de preços avança comoumdragão na loja de
louças. Enquanto isso, a Eurozona, principal destino de nossas exportações
segueemrecessão e os EUA têm retomada ainda incerta. Se o
consumo doméstico não nos salvamais e reformas institucionais estão
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