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Mostrando postagens de abril, 2025

"O fim do mundo está acabando"

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 Sílvio Ribas Durante boa parte da minha vida, ouvi a constante promessa de que o mundo acabaria em breve. Não por guerras ou catástrofes ambientais, mas por profecias, boatos e teorias que vinham com suspense hollywoodiano. Os iminentes apocalipses davam sustos, mas, graças a Deus, nunca chegam. Lembro bem da virada para este século. Era como se estivéssemos vivendo dentro de um filme de ficção científica. O “bug do milênio” — o temido Y2K — prometia transformar computadores em feras desgovernadas, desligar usinas, fazer aviões despencarem e colapsar o sistema bancário mundial. Quem viveu o réveillon de 1999 para 2000 com um olho no céu e outro no caixa eletrônico sabe: não houve bug, só uma queima de fogos a mais e um alívio geral por não ter ocorrido nada digno dos jornais do dia seguinte. Ainda teve gente que repetiu a cantilena na virada de 2000 para 2001. Nada. Já a profecia popular do “de mil passará, de dois mil não passará” parecia saída de rima de benzedeira. Era sussurra...

A guerra de Curvelo contra as muriçocas

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S ílvio Ribas Por décadas, Curvelo (MG) travou uma guerra contra um exército numeroso e obstinado. Como praga bíblica, nuvens de pequenos insetos alados invadiam todos os lares, desde os modestos aos abastados. Impiedosas, as muriçocas azucrinavam cidadãos de qualquer idade com os seus zumbidos irritantes e picadas insistentes, desafiando as famílias e as autoridades. Os recursos da cidade para combater as insolentes e onipresentes muriçocas naqueles anos 1970 e 1980 tinham eficácia limitada, bem piores que os disponíveis hoje contra todo tipo de mosquito. Os pernilongos seguiam roubando nosso sono e cobrindo nossa pele de desagradáveis marcas da noite anterior. Era só chegar o verão para elas dominarem a área. No embalo das chuvas e das altas temperaturas, milhões de pequenas criaturas voadoras emergiam das ruas, dos quintais e das profundezas da famosa grota, reduto pantanoso que se tornava, a cada estação, o seu principal foco de reprodução. A prefeitura até tentava reagir com óleo ...

Os meus papas

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  A fé que move montanhas faz um homem ser o líder espiritual de um bilhão de fiéis. Para outra parcela expressiva da humanidade ele é um mensageiro da paz em tempos de intolerância. Francisco, esse pastor que se ergue na simplicidade, foi o papa do divino mistério de ser também nosso irmão. Morreu neste 21 de abril, deixando um legado que se estende muito além das fronteiras da Igreja. O argentino Jorge Bergoglio fez história já no primeiro minuto do pontificado ao se dizer pecador, fazer piada com o conclave e pedir orações. Depois vieram declarações, encíclicas e gestos dignos de representante do Criador, abraçando os que mais sofrem. Também carregou, como todo homem, suas contradições: humanamente falho, não esteve no Brasil para celebrar os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, ausência interpretada como rancor político. Com mais de meio século de batizado na Igreja Católica Apostólica Romana, me regozijo por ter sido conduzido por cinco notáveis sucessores de Pedro. Lembro-me ...

Ver o Halley? Não cometa essa loucura

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Sílvio Ribas O noticiário de 1986, no Brasil, parecia orbitado pela letra C: Constituinte (a nova Assembleia), Challenger (a espaçonave que explodiu no ar) e... Cometa de Halley. Este último, no entanto, acabou decepcionando multidões ao redor do mundo. Durante meses, fomos bombardeados por uma enxurrada de anúncios, vendendo de telescópios a camisetas, enquanto programas de TV, canções e revistas em quadrinhos cultivavam a expectativa por um espetáculo celeste inesquecível. Mas todo aquele barulho se esvaziou diante de um mero risco luminoso no céu das noites de fevereiro — tênue, esquivo, só visível aos olhos mais atentos (e pacientes). Lembro dos trabalhos escolares sobre o tema e até de ouvir falar do velho roqueiro Bill Haley, cuja famosa mecha no cabelo evocava, ironicamente, a cauda de um cometa. E o tal show astronômico? Cadê? Em 1910, na penúltima passagem, o Halley causara pânico — gente temia um apocalipse envenenado por seus gases — e ao mesmo tempo esperança, saudado como ...

Tiradentes, presidente do Brazil

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Neste 21 de abril de 2025, quando o Brasil relembra o sacrifício do alferes Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes, proponho imaginar um cenário alternativo: e se a Inconfidência Mineira tivesse triunfado? Inspirados na revolução americana, os inconfidentes sonhavam com um Brasil bem diferente do que a História nos entregou. Se vitoriosos, teríamos fundado uma verdadeira república, moldada pelo ideal da 0liberdade: de empreender, de opinar, de construir uma sociedade com menos Estado e mais indivíduo. Provavelmente seríamos uma confederação — não um Estado federal dominador. Cada estado teria sua autonomia fortalecida, refletindo as vocações regionais e criando polos de prosperidade. O espírito progressista que incendiou Minas Gerais em 1789 poderia ter se alastrado por toda a colônia portuguesa. Com menos amarras burocráticas e mais fé na liberdade, talvez tivéssemos superado até mesmo os Estados Unidos em riqueza e inovação, projetando o Brasil como uma potência mundial já no...

Saudosas meninices

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Sílvio Ribas Na pequena Curvelo dos anos 1970 e 1980, quando o tempo era mais lento e as vidas eram menos atribuladas, eu era um menino de pés descalços e cabeça cheia de ideias. Cada dia era dia de descobertas felizes em casa e nas ruas, com brinquedos brotando do improviso e da farta imaginação.  Não havia limites para a fantasia: tudo ao redor podia virar qualquer coisa – e virava mesmo. A máquina de costura da minha mãe, com roda grande e barulhenta, se transformava em carro de corrida. Bastava girar o volante de ferro com as mãos para fazer curva na pista inventada da sala.  E o chuveirinho do banheiro? Era meu microfone de superstar — e como a acústica do box ajudava! Cada banho era um show. Também molhado ficava no tanque de lavar roupa, gelado e fundo, imerso na imaginária banheira cinza de um hotel cinco estrelas, onde me refrescava e esquecia do mundo. Já o moedor de carne, com seu jeito assustador, assumia facilmente o posto de tiranossauro-rex, sempre à espreita no...

Conexões russas de Curvelo

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Que tal modão ao som de balalaicas e coquetel de vodca com licor de pequi? Baseado em levantamento primoroso do poeta, jornalista e acadêmico curvelano Newton Vieira, encontro surpreendentes e variadas conexões entre a minha Curvelo (MG) e a Rússia. Este elo alcança literatura, moda, política, pedagogia e até a dança clássica. Entre essas pontes simbólicas, destaca-se a figura do escritor curvelano Lúcio Cardoso, reverenciado como o “Dostoiévski brasileiro”. Admirador confesso dos grandes mestres russos, como Dostoievski e Tolstói, ele não apenas leu e refletiu sobre suas obras — como registra em seus Diários —, mas chegou a traduzir Ana Karênina, de Tolstói, em 1943.  A obra-prima de Cardoso, Crônica da Casa Assassinada, foi laureada recentemente nos Estados Unidos com o Best Translated Book Award (BTBA), na categoria ficção. O legado de Lúcio representa talvez o exemplo mais fulgurante dessa afinidade curvelana com o espírito russo. Outro autor curvelano, Marcos de Lemos, homenag...