Partidas e chegadas na rodoviária de BH


Quando criança e adolescente, lá nos distantes anos 1970 e 1980, costumava frequentar a rodoviária de Belo Horizonte. A necessidade de viajar de minha terra natal, Curvelo (MG), para a capital do estado dono da maior malha rodoviária do país nos fazia passar tempos de espera naquele grandioso lugar. Cheguei diversas vezes pelos ônibus da Viação Santa Maria (BPA), concessionária da linha regular, e por outras pouquíssimas vezes pelos da Pássaro Verde (Diamantina) ou da Gontijo (Montes Claros).

As viagens para consultas médicas, exames, visita a parentes, compras de artigos especiais, solucionar questões burocráticas e até mesmo passeios nos proporcionavam experiências interessantes. A grande banca de jornais me trazia novidades de gibis e outras publicações. O bagageiro automático parecia ser a coisa mais sofisticada do mundo. E as lojas de suvenires de Minas despertavam curiosidade e orgulho.

Pasteis, coxinhas e pães de queijo vendidos nas lanchonetes do colossal prédio de dois andares e subsolo eram irresistíveis. Mas o mais saboroso era observar gente de todas as idades e cidades cruzando aquele saguão e perceber que cada passageiro ou acompanhante trazia as suas próprias bagagem biográfica, personalidade e intenções. O templo das chegadas e partidas carregava muitas emoções em sua atmosfera. Nessa estação monumental me deparei com personagens e situações que ainda recordo. Quais?

Lembro-me de uma jovem mulher, com cerca de 20 e poucos anos, que vestia calça jeans, tênis e, acima da cintura, apenas adesivos floridos nos seios. Ela foi impedida de embarcar no ônibus com destino a Formiga (MG). O plano original dela era passar o Carnaval naquele pacato município.

Havia também o típico capiau dos grotões mineiros, com a sua malinha de papelão, botinas estilo Jeca Tatu e cigarrinho de palha no canto da boca. Ele sentava-se de maneira engraçada, observando o tempo passar, conferindo o relógio pendurado no fim da sala de espera a cada cinco minutos, até chegar a hora de descer até a plataforma, com bastante antecedência. Coisa de mineiro, que não gosta de perder o trem.

No piso sempre limpo da rodoviária, também circulavam padres com as mais diversas batinas. As freiras, por sua vez, pareciam vestir além do tradicional hábito religioso, com vestimentas mais ou menos civis, mais ou menos compridas.

Era intrigante observar a quantidade de pedintes e golpistas tentando tirar dinheiro dos incautos. Alguns falavam de mercadorias baratas que tinham de vender, outros ofereciam truques ou benzedura em troca de troco. Lá fora, havia a famosa banca dos copinhos que circulavam com uma bolinha embaixo para ser encontrada, sem mencionar os “raizeiros” e o “homem da cobra”. Pregadores solitários com a Bíblia nas mãos também estavam por ali, embora em menor número do que hoje. 

Recordo até hoje da reação agressiva da moça que estava sentada ao meu lado na sala de embarque por longo tempo. Tentei puxar conversa, perguntando se visitava parente, estudava em BH ou procurava emprego. Ela pensou que eu estava tentando aplicar algum golpe e nem pensou em paquera. “Por que está me fazendo tantas perguntas?", exclamou. Voltei à minha palavra cruzada, mas em cadeiras um pouco mais distantes.

O terminal de Belo Horizonte sempre foi ponto de encontro de histórias e de pessoas, nos intermináveis embarques e desembarques. Até hoje ouço na mente o som do autofalante avisando da saída iminente de algum ônibus. Também nunca esquecerei do apito do manobrista chamando táxis para passageiros que chegavam à metrópole.

Mesmo que tudo tenha mudado com o avanço da tecnologia e da sociedade, as memórias viajantes de minha vida, que percorreram milhares de quilômetros asfaltados até a capital dos mineiros, ainda trafegam vivas em mim. Afinal, são as experiências do cotidiano que moldam a nossa visão de mundo e nos conectam às diversidades. Como diz a velha piada, tudo na vida é passageiro, exceto motorista e trocador ou bilheteiro.


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