As aventuras de Zé Curvelindo

 

Walter Mosley, escritor americano, ensina: a verdadeira existência de um povo está na literatura. Para os nascidos ou adotados por Curvelo (MG) esta existência começa a ser vivenciada graças a obras como “Causos, Contos & Prosa” (Elta Books, 2023). Sob o pseudônimo de Zé Curvelindo, o autor Geraldo Magela de Faria não só resgata a história de H maiúsculo, mas também capta a essência de uma cidade que é, nas palavras do escritor João Guimarães Rosa, a capital da sua literatura. Para esse nobre feito, Faria mergulha na vida cotidiana, cujos detalhes revelam povo único. Egrégora!

Como personagem, Zé Curvelindo torna-se avatar tanto para o seu criador quanto para o leitor, levando-os numa jornada aos anos 1970 e 1980, e até mesmo antes disso, rumo a uma pacata Curvelo que se orgulhava de seus dotes culturais e culinários, da força de sua pecuária e dos seus festejos, além dos seus cidadãos ainda mais inesquecíveis. Não faltam exemplos para nutrir o orgulho dessa gente orgulhosa, que se deixa bronzear pelo sol forte, empoeirar seus pés na terra plana e professar sua fé abençoada pela dupla de santos, o padroeiro Antônio e o padrinho Geraldo.

O texto nos confronta com intrigante realidade passada, na qual a alimentação, o vestuário e as aspirações não eram predominantemente industrializados. Esse estilo de vida proporcionava a saúde que se perdeu hoje em dia, com a cozinha abastecida diretamente pelos produtos frescos da roça, o guarda-roupa confeccionado com habilidade das costureiras e emoções cultivadas por meio de brincadeiras ao ar livre, amizades sinceras e olhares genuínos, distantes das ilusões digitais tão presentes atualmente.

Em 280 páginas ilustradas com fotos de época, Zé Curvelindo nos presenteia com escrita saborosa e coloquial, ornada por sotaque peculiar. Êta livrim bão demais da conta, sô, viu? O seu estilo literário nos transporta para prosa animada, como se estivéssemos reencontrando o amigo de infância que não víamos há décadas. Juntos, relembramos e rimos dos causos engraçados, dos costumes perdidos e das paixões puras. Somos ainda invadidos por momentos de doce nostalgia, ao revisitar situações marcantes e ao convocar a presença na mente e no coração de indivíduos, lugares e eventos que cumpriram papéis valiosos tanto na trajetória pessoal quanto coletiva.

Nos deslumbramos com a nossa própria alegria nas festividades mais aclamadas, como a exposição agropecuária, a oitava de São Geraldo e o forró da praça. Percorremos com encanto a geografia curvelana, cujo epicentro é a Praça do Caldeirão, como amorosamente o autor chama a sua Bendito Valadares. Topônimos como Alto do Tote, Bela Vista, Vila da Maria Amália e outros são tesouros de todos. É cativante também testemunhar as portas abertas para lembranças de adoráveis e longevas casas comerciais, sempre vinculadas à figura dos donos. Desdobramento de postagens do autor numa bela iniciativa de comunidade na rede social Facebook, o livro fez dos curvelanos o povo que, agora, não mais desaparecerá.


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