O desapego dos bilionários

Há mesmo uma contradição em ser muito rico – muito mesmo – e parecer totalmente desapegado dos luxos terrenos? Desde o começo deste século nos acostumamos a ver como mera excentricidade o estilo frugal de vida de famosos bilionários que encabeçam a lista da Forbes, alguns já perto de se tornar trilionários. Contudo, a trajetória de cada um deles e as novas bases da riqueza global explicam a sua postura avessa à tentadora extravagância.

O desapego desses cujo patrimônio cresceu ainda mais na pandemia reflete a sua obstinação por levar novidade ao mundo e induzir comportamentos. Para tais figuras invejadas mais importante que ascender materialmente é impactar a vida das pessoas com seus empreendimentos. O valor somado das ações que têm das suas empresas com o que já foi convertido em bens próprios é só uma referência para mensurar o extraordinário desejo por ser determinante

A explicação para os seus guarda-roupas simples e repetitivos, as suas casas “normais”, os seus hábitos comuns e a sua intenção de não deixar aos filhos boladas escandalosas vem da contabilidade íntima que confronta a noção de real necessidade pessoal ou familiar com a ideia de “tudo poder”. Sabem que gastar e esbanjar além do condizente é tentar extrapolar os limites de seres mortais. Sabem que não existência humana capaz de usufruir de tais cifras.

Resta então às pessoas mais ricas da Terra fazer cada vez mais doações à caridade, apoiar pesquisas para a cura de doenças degenerativas e abrir espaços para que os seus descendentes estejam prontos para perseguir os próprios sonhos. O caso mais emblemático é o do fundador da Duty Free, o octagenário Charles Feeney, que doou 99% em vida e hoje mora com a esposa em um modesto apartamento em São Francisco, na Califórnia (EUA).

Bill Gates, fundador da Microsoft, e o megainvestidor Warren Buffett têm planos parecidos com o de Feeney. No lugar de mansões espalhadas em vários países, carrões exclusivos, iates e festas particulares com popstars, preferem se dedicar ao desenvolvimento da ciência e à descarbonização do planeta. Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, é o mais sustentável dos colegas, levando lanche para o trabalho e combatendo todo desperdício. 

E o que dizer de Elon Musk, o mais afortunado de todos? Ele fica na casa de amigos para não pagar hotel ou perder carona. Talvez o dono da Tesla esteja só praticando a tal sobriedade de consumo que o autêntico Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, tanto defende. Lendas de cores extremos se encontram.

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