Quebra de paradigmas


Sílvio Ribas

A história com H maiúsculo não acabou. Muito já se analisou e muitos dados gerados pelas eleições 2018 ainda carecem de interpretação. Mas num primeiríssimo momento da ressaca das urnas, entendo o seguinte:

1) Os eleitores escolheram novo rumo para a economia com forte sinal liberalizante, o maior já visto no país pela via democrática. Basta saber que um Chicago Boy de matriz chilena chegou lá.

2) O poder no Executivo e Judiciário tem um novo arranjo nacional e novos em nível regional.

3) O cinturão vermelho de resistência do “ancien régime” representada pela bancada do PT na Câmara dos Deputados e pelas pelas votações em Haddad no Nordeste (estendido ao Pará) desafia o novíssimo status quo. Até que ponto a aposta na força do capitalismo suplantará o assistencialismo e o populismo?

4) O PSDB se esfarinhou e não consegue mais polarizar com o PT. João Doria, quem melhor captou o sinal dos tempos emitido desde as grandes manifestações de 2013, atestou agora: o muro dos tucanos precisa ser derrubado, começando por São Paulo, para não serem extintos.

5) Embora muito confiante, o mercado iniciou a contagem regressiva pela implementação do plano econômico do futuro ministro Paulo Guedes, assentado no trinômio: reformar a Previdência, acelerar privatizações e reduzir o tamanho da máquina pública. Cortar desperdícios e privilégios, de um lado, e mexer estruturalmente naquilo que leva o país a pagar um Plano Marshall todo ano em juros da dívida, os insuportáveis US$ 100 bilhões anuais.

6) Há a expectativa, sobretudo no tocante (termo bolsonarista) à imagem do novo presidente construída pela imprensa internacional, que muitos mitos do “mito” se desfaçam com o tempo. Os eleitos pelo PSL já começaram essa desmistificação. A realidade fará conta do resto. O Brasil tem partido neonazista? Ridículo.

7) Os marqueteiros pagos com centenas de dólares de caixa dois depositados na Suíça perderam a razão de ser. Bolsonaro e seu exército de Brancaleone fez a campanha presidencial vitoriosa mais franciscana da história contando e apostando apenas na comunicação digital direta com a população e com o engajamento espontâneo de apoiadores nas redes sociais. Sinal dos tempos.

8) O velho “sistema” perdeu. A reforma político-eleitoral para preservar o status quo de caciques partidários não conseguiu fazer frente à participação popular potencializada pelas redes sociais. O dinheiro público colocado nos fundos partidário e eleitorado não fez a diferença para quem não queria a renovação de nomes e de siglas.

9) Mídia tradicional perdeu. Não foi só o tempo de televisão que mostrou-se inepta na disputa eleitoral. Foi, sobretudo, a perda do posto de principal fonte de informação e de encantamento da sociedade. Oito milhões de seguidores diretos nas redes sociais ou 18 milhões em grupos diversos tornaram Bolsonaro um fenômeno da mídia digital.

10) Tanto na condução política quanto na estratégia econômica, o país deverá implementar um cenário com claro sinal em favor da simplicidade. Fazer mais com menos, combater a ostentação dos inquilinos do poder e questionar privilégios e desperdícios. É o que os eleitores têm desejado, como também mostra em especial a eleição de Zema (Novo-MG) para governador.

11) As contradições internas do núcleo duro de Bolsonaro na área econômica deverão se explicitar na transição de governos e refluir com ajustes de programa. A questão mais crítica é a agenda das privatizações, que opõe militares nacionalistas e o privatismo total de Paulo Guedes.

12) Por fim, confirma-se o encerramento de mais um ciclo político de 30 anos no Brasil, situação que vem se repetindo ao longo da história. O período marcado pela nova Constituição e pela volta das eleições presidenciais esgotou-se e abre caminho para outro cujos desdobramentos ainda estão por serem medidos.

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