Varejão da República

Nos últimos 13 anos, a sociedade brasileira tem assistido a tantos desrespeitos com a coisa pública, a tantos escândalos de escala bilionária e tantas práticas abjetas na política que muitos até nem mais acreditam na correção dos erros pela razão e pela democracia.

O fato é que as instituições estão funcionando e os milhões homens e mulheres de bem deste país não se deixaram nem vão se deixar acomodar com uma tragédia moral dessas, que vai muito além do imaginado e que se soma à ruína econômica e a degradação social.

Na semana passada, com o anúncio do desembarque do PMDB do governo, a presidente Dilma se superou. Para tentar barrar o processo de impeachment na Câmara, iniciou uma escancarada liquidação de ministérios e de cargos, atuando em favor de um varejão da República.

A Procuradoria Geral da República precisa investigar os atos da presidente e do seu ministro Jaques Wagner, para apurar seus atos de improbidade administrativa ocorridos publicamente. Em se comprovando a culpa dos representados, cabe a aplicação do artigo 12, inciso três da lei 8.429, de 1992, que prevê a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por três a cinco anos.

Em meio ao seu discurso falacioso e manipulador ancorado no slogan contra um suposto golpe, o governo politicamente frágil, moralmente indigente, administrativamente incompetente e tomado pelo desespero apela para os episódios mais deprimentes da história política brasileira. É disso que estamos falando.

Sem qualquer pudor, repete a mesma investida inglória do ex-presidente Fernando Collor na reta final de seu impeachment, montando um balcão de negócios às claras para amealhar votos necessários para impedir o processo.

É a história se repetindo como farsa, duas décadas depois, tendo alguns protagonistas em posições invertidas e desmascarando de vez os falsos profetas do passado não muito remoto.

E é essa desonestidade intelectual e essa total ausência de integridade dos membros do governo e de seus apoiadores no Congresso arrastam o país inteiro a uma situação inédita de conflagração, de nós contra eles.

A política, tal qual preconiza suas raízes gregas, foi vilipendiada. Ela deveria ser uma ferramenta capaz de promover o bem geral e levar ao encaminhamento de conflitos. É disso que se trata a verdadeira política.

Embora o impeachment seja algo bem provável, não consigo imaginar a terrível e hipotética situação de uma eventual rejeição do processo. Como ficaria o país após esse resultado e após toda a negociação espúria empreendida pelo governo para se manter?

Vítima de seus próprios erros cometidos ao longo dos anos, a presidente Dilma pode ter preferido construir um caminho mais curto para o fracasso definitivo de seu projeto de poder. O vale tudo não apenas nega de vez a boa política, mas também escancara a má-fé e a descompostura do governo. Daí emergirá um fato inconteste: a infecção generalizada do corpo doente da máquina administrativa levará à rápida falência múltipla de seus órgãos.

A maneira de governar por meio do toma lá dá cá se tornou explícita e imoral. A fisiologia que serviu de base para o sistema de alianças adotado pela presidente desde o seu primeiro mandato provocou danos irreversíveis e tudo o que a presidente faz agora para se safar do impedimento é justamente acentuar essas práticas.

A moeda de troca do governo são os ministérios e o os milhares de postos nos seus segundo e terceiro escalões, que tornam o ouro para pagar os votos necessários a impedir o impeachment.

O desembarque do PMDB apenas escancarou a visão que governistas têm do Estado. A farra da distribuição de cargos deixa clara também qual é a real prioridade deles.

De novo, não se ouviu uma única palavra ou o menor indício de preocupação com a função social ou com a eficiência dos órgãos rifados. O dinheiro público está sendo colocado na roleta da jogatina do Planalto. É o governo dobrando a aposta para salvar a própria pele.

O grau de abjeção em que a Presidência da República se colocou pode ser ilustrado com a oferta do Ministério da Saúde como prêmio maior na caça aos votos ditos indecisos. Isso quando o caos na saúde é completo e, como todos sabem, o país enfrenta graves epidemias como a da zika, dengue, chikungunya e da gripe H1N1.

O que vale é apenas o orçamento de R$ 118 bilhões, em oferta como prenda no arrastão fisiológico dos operadores do governo.

Não foi por falta de aviso. Nunca um governo foi tão explícito cometer graves distorções em público logo nos seus primeiros movimentos.

Não faltaram chances de se fazer o dever de casa, de corrigir, mesmo que parcialmente, seus pecados. Mas não, a exemplo da atual xepa de cargos: preferiu sabotar o país e penalizar a população, ao ser fiscalmente irresponsável, politicamente obtuso e moralmente condenável. Está jogando o seu próprio barco contra as pedras e faz do seu naufrágio um legado imposto a todos.

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