Ventanias de agosto

Conceição Freitas


Agosto é o mais airado dos meses. Nele, as folhagens tremulam, as saias sobem, as roupas brincam de trapézio no varal, a poeira se revolta e os cabelos se amarfanham.
Quando convocou arquitetos para o concurso do Plano Piloto, Niemeyer avisou: ventos leste sopram no território onde será construída a capital. Vem do Atlântico, a brisa que nos embala. Brasília é a fronteira das ventanias litorâneas. Elas avançam sobre a Bahia, contornam as montanhas de Minas e se dão por satisfeitos na capital do país. É interessante observar o mapa climatológico do Inmet. Setinhas e setonas, cujo tamanho indica a intensidade e a direção dos ares.  
Embora se tenha a sensação de que Brasília é uma cidade de ventos revoltosos, a velocidade das rajadas e das brisas é de, em média, 7,2 km por hora. No litoral, é de 10 a 15 km/h. Pairando a mais de mil metros acima do nível do mar, os brasilienses têm a sensação de que os ventos de agosto são ondas de um mar airado.
“Só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”, disse Alberto Caieiro, heterônimo do maior poeta em língua portuguesa de todos os tempos. Neste agosto, que sopra desgostos, sopra também silêncios. Sopra saudades futuras e sopra sons dos tambores do coração. Sopra o vento com mais força que nos demais meses. Então, vale muito mais a pena ter nascido.
Agosto não me desgosta. Agosto não é abril, o mais cruel dos meses de T.S. Eliot. Porque agosto é o mês das ventanias. É o sopro dos deuses na pele seca dos que atravessam a mais rude das estações. Faltam-nos umidade, sombram-nos marolas envolventes, carinhos revoltosos, cantorias compridas de um Deus que brinca de redemoinhar nossos destinos.
Depois de atravessar meio Brasil, de cima a baixo, os ventos atlânticos encontram, no Planalto Central, o mar que deixaram para trás. Imensidões altiplanas onde podem se expandir como num oceano que subiu aos céus. Por isso, a sensação de que aqui os ventos ventaneiam muito mais.
Quando riscou Brasília, Lucio Costa sabia que os ventos vinham do leste e que, depois da longa travessia até o Centro-Oeste, se propagariam como um universo em estado de nascença. Por muitas outras razões, projetou uma cidade como Deus projetou as ondas do mar. Ondulante, viva e em poética harmonia com a grandiosidade do território.
Reverenciou os ventos, chamou os redemoinhos, invocou as brisas para que todos cuidassem dos brasilienses. As ondas de vento nos tocam como as ondas do mar lambem a praia. É quase um mantra.
Tudo se move o tempo todo.


*Com a colaboração técnica do meteorologista Mozar de Araújo Salvador.

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