Bocas de jacaré

Por Sílvio Ribas Crescimento sempre rima com investimento. Qualquer política nacional de desenvolvimento que se preze coloca como meta central a capacidade transformadora dos projetos voltados à produção, à logística e aos insumos básicos. Investir é a única saída para que o movimento da roda da economia não seja interrompido mais adiante por um impasse entre oferta e procura. Melhor: é investindo de maneira focada e inteligente que uma empresa ou um país consegue fomentar novas necessidades de consumo e novos ramos de negócios, alimentando um ciclo virtuoso que beneficia desde o valor médio dos salários até a arrecadação de impostos. Todos saem ganhando. Um bom exemplo disso é a China, que em duas décadas saiu da periferia para o topo, se aproximando dos Estados Unidos no ranking do Produto Interno Bruto (PIB). É um equívoco justificar o espetáculo do crescimento do gigante asiático como resultante do “trabalho escravo” de chineses. A mão de obra farta e barata foi, sim, um importante chamariz para atrair indústrias multinacionais, mas foram os pesados investimentos produtivos externos, sincronizados com o esforço estatal em infraestrutura e educação, que criaram as bases da China moderna e ameaçadora. O capital foi o protagonista da transformação. Chegando agora ao Brasil, a realidade encontrada é a inversa da idealizada. Segundo dados do Departamento de Competitividade da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o comparativo gráfico das taxas de consumo e de produção no país abriram uma “boca de jacaré”. De 2003 até março último, os volumes gerados pela indústria de transformação cresceram 25%, enquanto as vendas do varejo, incluindo carros e materiais de construção, dispararam 116%. Medo A atividade econômica apertou o cinto justamente porque o investimento sumiu. E, por isso, até começa a andar para trás. Em junho, em virtude da Copa do Mundo, houve queda, conforme informam diferentes indicadores. Na leitura mais recente, a do Serasa, o recuo foi de 0,6%. “Não temos a mínima ideia do que o governo pretende fazer e não há nada mais covarde do que o dinheiro”, resumiu bem o economista Roberto Luís Troster. O capitalismo tupiniquim, ressentido das intervenções ruins do Estado nos últimos anos, pensa mil vezes antes de colocar a mão no bolso. Em complemento, as incertezas do cenário eleitoral se somam às interrogações geopolíticas e monetárias do exterior para também recomendar cautela. O presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Fiesp, Benjamin Steinbruch, foi duro ao lastimar a expectativa geral de recessão: “Só louco investe no Brasil”. Nesse pântano, Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, lamenta outra “boca de jacaré” aberta, igualmente ignorada pelo país, formada pela evolução percentual em queda dos juros globais em paralelo à subida dos preços das commodities, durante o período de 2004 a 2008. “Essa raríssima bonança internacional, extremamente favorável ao Brasil, foi desperdiçada pelo governo do PT para melhorar a infraestrutura e criar o terreno propício ao investimento”, disse à coluna. Até mesmo o ex-presidente Lula, mentor e principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff na busca de um segundo mandato, reconheceu a retração dos projetos de empresas devido ao pessimismo. Em palestra a empresários, no qual criticava o Tesouro, diagnosticou a dificuldade de o PIB voltar a ascender. “Não tem investimento porque está diminuindo a demanda. Pode ter dinheiro à disposição, mas, sem gente para comprar, ninguém vai investir”, filosofou. População topa poupar energia As razões eleitoreiras impediram o governo de agir com sabedoria na questão da atual crise energética. Em vez de pedir à população de poupe na conta de luz, desligando lâmpadas e aparelhos, para não precisar recorrer à caríssima geração termelétrica, a candidata Dilma Rousseff preferiu pintar um quadro de controle absoluto da situação. Apesar disso, uma pesquisa recente do Ibope mostra que 67% da população brasileira considera a energia elétrica hoje cara ou muito cara. A pesquisa encomendada pelas empresas participantes do mercado livre de energia também apontou o apoio de 83% dos entrevistados para a realização de uma campanha nacional de racionalização. Insensibilidade difícil de explicar Diante da crise que classifica como “sem similar na história”, o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto Pereira d’Araujo, aponta a atual política energética como a causa de um prejuízo acumulado de quase R$ 70 bilhões. “Não só a tarifa está em trajetória ascendente. O desequilíbrio já atinge dimensões macroeconômicas”, alerta o especialista à repórter Simone Kafruni. Para ele, o racionamento de 2001 foi a grande oportunidade para mudar o modelo de 1995. Apesar de a manutenção do nível das represas de hidrelétricas declinar ano após ano, nada foi feito. “Não é compreensível que tal tema não tenha sido colocado em amplo debate”, diz. Fonte: coluna Correio Econômico da última segunda-feira (18/08/14), do Correio Braziliense

Comentários