Em defesa da água

Fonte: Correio Braziliense de hojeO beijo da seca rachou os lábios. Essa poesia grafitada nos muros de Brasília até refresca almas, mas em nada alivia o maior problema brasileiro: o estresse hídrico. Se alguém ainda duvidava da histórica desidratação de rios e lagos, a notícia de que um lote inteiro de uma famosa marca de água mineral estava contaminado com bactérias remove qualquer sinal de interrogação. Também na semana passada, soube-se de um surto de vômito e de diarreia com quase 200 moradores de Brodowski, município do nordeste de São Paulo, causado por uma virose saída das torneiras de suas casas, que passaram a ser abastecidas por carros-pipa. Há meses temos assistido o desespero paulistano com a flagrante escassez do precioso líquido e observado, em segundo plano, o sofrimento de pescadores e de agricultores ribeirinhos nos sertões do Sudeste. No capítulo seguinte dessa tragédia anunciada, a queda da quantidade dos recursos hídricos está se somando ao declínio de qualidade. Em paralelo, temos sido cutucados com dicas de como poupar água do uso diário e com opções de compras para melhorar a hidráulica doméstica e de equipamentos para purificar qualquer “volume morto”. É verdade que os seres humanos se adaptam às piores condições climáticas e topográficas. Mas sem água não conseguimos produzir um prego nem cultivar cactos. Sem o insumo básico não há higiene pessoal decente nem saúde garantida. Por isso é que pergunto por que crise dessa envergadura continua sendo lidada pelos governantes como conjuntural. A sede de soluções é tanta que o tempo perdido pode transformar episódios cotidianos de secura, como a queda de braço entre hidrelétricas e abastecimento urbano, em conflitos de escala jamais vista. A briga de paulistas e fluminenses pela gestão da bacia do Rio Paraíba do Sul prenuncia o que pode haver a jusante. Outrora tido como potência hídrica inexplorada, o Brasil virou um anão do manejo de água. Este país se dá ao luxo de lançar sem dó esgotos nos rios, alega dificuldades para plantar árvores em barrancas e nascentes e ainda continua cavando canais faraônicos da transposição que pode ser o tiro fatal no Velho Chico. Falta coragem para tomar medidas certas antes que tenhamos de aderir ao grupo dos maiores investidores em dessalinização, como as nações do Oriente Médio. A única certeza é a de que veremos no futuro próximo fluidos despejados no vaso sanitário retornarem potáveis ao lar.

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