Classe média espremida

Com mais arrocho fiscal, a crise norte-americana avança, paralisa a produção, esfria a a economia e leva a pobreza bater recorde: 46 milhões de pessoas. O Bronx, Nova York, bairro mais pobre e de mais baixa renda dos Estados Unidos, se contrasta com a riqueza de Manhattan, a maior do país, com 57 bilionários que têm renda igual a 4 milhões de famílias da classe média. Na mais admirada cidade norte-americana, uma em cada cinco pessoas estão na pobreza. No país, o percentual é um pouco menor: 16%. Trata-se de uma população sem plano de saúde e com renda 38 vezes menor que a da faixa mais rica. Pelo coeficiente internacional, os EUA são o país desenvolvido mais desigual, com fosso social igual a Ruanda, na África.


Os pobres não são, contudo, os únicos a sofrer com a estagnação, a renda da classe média se achatou e voltou aos níveis de 1996. Para ela, a primeira década do século 21 foi perdida. Em paralelo ao desemprego elevado e aos cortes de benefícios, os cidadãos desse grupo ficaram ainda mais espremidos, chegando ao auge de um processo iniciado no fim dos anos 1970. “O esvaziamento é uma tendência dos últimos 30 anos”, diz James Parrott, do Instituto de Política Fiscal (NY). Segundo ele, a erosão dos rendimentos se deve à perda de poder de negociação da classe trabalhadora, com recuo do número de sindicalizados. Por isso, a concentração de renda avançou a partir da década de 1980. O especialista acrescenta que, a partir dessa época, os benefícios produzidos pela economia foram cooptados por 1% a 5% da população, enquanto a classe média e a classe baixa viram o padrão de vida estagnar ou decair.

Nem a melhora da educação foi suficiente para reverter o processo concentrador. “Não é por causa da globalização ou da tecnologia que houve polarização da renda, mas de escolhas de políticas públicas, como a regulação de mercados e a de proteção do salário mínimo da inflação. O resultado disso foram quedas de salário médio e de produtividade. Sem uma reforma trabalhista, o índice de sindicalizados chegou ao seu nível mais baixo: 10%, sendo 7% no setor privado. O ápice da organização sindical foi em meados dos anos 1950, com 30% dos trabalhadores filiados.

Europa
A crise política na Europa está centrada na dívida grega de 350 bilhões de euros, uma vez e meia a sua economia, e nos duvidosos planos de austeridade. Na Grécia, o desemprego é 16% de desemprego (6% no Brasil). Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os 20 países mais desenvolvidos viram desaparecer 20 milhões de empregos desde 2008 e devem dobrar esse contingente nos próximos anos. “A política econômica atual é a do século 19, criminalizando o cidadão devedor. Isso não ajuda em nada, só piora o quadro”, avalia Anne Pettifor, da consultoria britânica Prime. Ela acha que quanto mais se espreme a classe média, mais difícil fica a saída da crise e lamenta que o Estado do bem estar esteja sendo desmontado sob o argumento de que é caro. “Está mais difícil botar filhos na universidade”.

Ela acredita que o desfecho da crise européia será novo socorro aos bancos, até porque a economia depende disso. Mas, desta vez, torce para que sejam impostas condições e termos, ao contrário de 2008, quando o dinheiro foi dado sem contrapartidas e os bancos investiram em especulação ao invés da economia real. “O resultado disso é que as commodities subiram de preço e pioram a vida das pessoas. Petróleo em alta, por exemplo, encareceu a energia. É um quadro perverso, com pessoas perdendo empregos e renda enquanto preços essenciais sobem”, resume.

Brasil
Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), explica que a situação brasileira é aparentemente inversa porque o país passou por muitas crises e aprendeu com elas. Para ele, os pobres foram os ganhadores na economia dos últimos anos, pois tiveram e têm tido “crescimento chinês”. O problema hoje está justamente no topo da distribuição de renda. Em oito anos, o analfabeto teve um ganho real de renda de 47%, enquanto trabalhador de curso superior incompleto perdeu 17%. “Todos os símbolos da exclusão brasileira (pretos, pardos, mulheres, analfabetos) ganharam de grupos urbanos e de alta educação, situação bem diferente a dos demais membros dos Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul) e mais ainda dos países ricos. A desigualdade cai e cria um mercado interno que ajuda nas crises”, explica.

Os pobres brasileiros não se relacionam diretamente com a crise externa, ressalta Neri. “Ao contrário de setores mais escolarizados ou ligados às exportações, à produção industrial e ao mercado financeiro, a crise vai gerar perdas localizadas e apenas interromper o processo de incorporação de pessoas ao mercado consumidor, que já contabiliza mais de 10 milhões”, disse. As reações do governo já são bem diferentes que as observadas em outros momentos de crise internacional, como o protecionismo para a indústria e o corte de juros. “O pobre nos EUA tem padrões mais duros de classificação. Lá, família pobre tem quatro pessoas e renda de US$ 22 mil por ano. Aqui ela seria de classe C”, ressalta.

Fonte: Sem Fronteiras/Setembro/Globonews

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