Tributo a Arminda Marques


Obrigado, Minda

Sílvio Ribas

Raríssimas pessoas podem dizer com segurança que têm ou tiveram o privilégio de receber amor materno de mais de uma pessoa. Enquanto alguns nunca contaram com o zelo de um pai ou de uma mãe, biológicos ou não, eu e meus dois irmãos, Adriano e Carlos, somos privilegiados por termos Arminda Marques em nossas vidas.

Minda não carregava o mesmo sangue da família, mas sua alma foi colocada por Deus entre nós para cuidar da gente com carinho, orientar com exemplos e manter-nos unidos com a fé Nele. Também era o elo vivo entre nós e nossos ancestrais falecidos, protegendo objetos de forte recordação e nos tecendo reminiscências.

Na última vez em que estive em Curvelo – no pesado agosto que apartou ela de nós – não mais a encontrei. A primeira imagem que costumava associar ao lar não está mais disponível para ser conferida. Os cabelos brancos que velaram minha infância e adolescência e que continuaram se preocupando com os rumos da vida adulta agora se confundem com as nuvens do céu sertanejo.

As mãozinhas calejadas que detinham nossas quedas de primeiros passos deixaram também de criar coisas saborosas aos olhos e ao paladar: delas brotavam desde os melhores doces caseiros (amor em pedaços, o preferido) até flores de pano que ornavam grinaldas de noivas.

Não me esquecerei nunca de sua aversão por falar ao telefone, das suas tiradas hilariantes – fruto da ingenuidade dela e que viraram “causos” com a nossa “maldade” – e de como se divertia com o humor do caipira Mazaropi e da atriz norte-americana Whoopie Goldberg. Mas recordarei, sobretudo, daquela “figura cândida”, como certa vez um amigo a descreveu.

Fiel ao seu posto de figura auxiliar na nossa criação, nunca se incomodou de nos levar ao médico ou representar a família numa ocasião social. “A Casa de Arminda” é um capítulo doce de minha biografia, com seu quintal, reino das minhas fantasias de criança, e sua cozinha repleta de parentes próximos e distantes, na genealogia e na geografia. A comemoração de seus 80 anos foi uma concessão abençoada pelos céus, que permitiu ela sair de cena com os aplausos do último ato.

Este texto é, na verdade, uma confissão de débito. Reconheço que deveria ter sido mais explicitamente grato pela dedicação desprendida de Minda: pura, honesta, silenciosa e sem cobranças. “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã...”, nos ensina o poeta encantado Renato Russo. O amanhã não existe. Valeu, Minda.

(Florianópolis, agosto de 1999; publicado no jornal Curvelo Notícias)

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