A linguagem matemática


por Vicente Omar Diniz Torres*

A dificuldade de ler e entender um texto matemático permeado de símbolos e também de técnicas para a resolução de problemas é, sem dúvida um fator de segregação, não só nas escolas como também na sociedade. É fato que o conhecimento da matemática propicia o acesso a muitas das mais bem sucedidas profissões atuais e que, para atingir certo grau deste conhecimento se faz necessário o uso de habilidades e competências superiores (interpretar, analisar, inferir, deduzir, induzir,...). Mas isso não distancia a matemática da música ou da pintura, por exemplo. Que também se constroem a partir de simbologias próprias.

O desenvolvimento do raciocínio lógico dedutivo deve ser o principal objetivo do ensino de matemática (Valente 1995). Tal prática, no ensino atual, parece ser colocada em segundo plano diante da ênfase dada em dominar a linguagem matemática e em saber empregar um conjunto de técnicas com o objetivo de resolver problemas. Isto não quer dizer que a linguagem e as técnicas devam ser abandonadas ou consideradas de rasa importância, mesmo porque, o aprendizado não se daria.

A linguagem matemática se torna mais acessível se, a partir das séries iniciais, por meio de operações concretas, como a comparação e a classificação, levamos a criança a perceber a necessidade de representações lógicas - mais tarde às abstrações – e, posteriormente, a associação destas a uma simbologia própria. Assim, o problema real “juntar suas cinco balas com as oito de um colega” que inicialmente constitui uma ação concreta, pode, mais tarde, ser traduzido pelo conjunto de símbolos 5 + 8.

A simbologia por si só, desprovida de contextualização, só representa um texto se o leitor possui o domínio da linguagem. O texto: x² - 2x + 5 = 0, x pertence à R, pode ser lido, interpretado e resolvido por um aluno a partir do 8º ou 9º ano do ensino fundamental, mas diz muito pouco, ou nada, para quem não atingiu este grau de escolaridade ou se distanciou dele.

Fazer matemática envolve, sem dúvida, inúmeras técnicas. Um músico não compõe sem conhecer a sonoridade e possíveis harmonias e dissonâncias entre as notas, o ‘problema’ criado no início de uma sinfonia não seria resolvido até o final da obra sem uma boa dose de manejos musicais. “Mas há um método nesta loucura.” Disse o crítico musical Nick Cave ao descrever a obra de Gustav Mahler. Da mesma forma, um pintor não troca sua palheta durante a execução de uma obra, as cores devem permanecer nos mesmos lugares e suas combinações e tons só são possíveis mediante as técnicas de composição desenvolvidas ou assimiladas pelo artista.

Citando novamente o texto x² - 2x + 5 = 0, x pertence à R, que propõe o problema: qual(is) valor(es) real(is) de ‘x’ satisfaz(em) às condições dadas pela equação. Podemos perceber que para sua resolução, assim como de inúmeros outros problemas da matemática, devemos recorrer a técnicas resolutivas, além, é claro, de saber traduzir sua simbologia.

Dominar a linguagem matemática e as técnicas de resolução de problemas são, portanto, imprescindíveis ao ensino desta disciplina. Porém, diante dos dados alarmantes das avaliações de massa divulgados na última década, em particular cito o publicado na Revista Veja (24/12/08 - P.115 – Dados da ONG Todos pela Educação): “Apenas 10% dos alunos ao final do ciclo escolar atingirem o nível de conhecimento desejado em matemática.” Devemos nos questionar sobre a prática em sala de aula e as condições gerais do ensino. No mínimo, estas não têm sido eficientes.

O estabelecimento de metas governamentais, as iniciativas isoladas, ou institucionais, apontam para um horizonte menos desolador que estes 10%. Cabe ao professor explorar as diferentes expressões da linguagem matemática, como a oral, a tátil, a escrita, a visual e não só a simbólica, visando diminuir as distâncias entre a matemática de sala de aula e a vivenciada no dia-a-dia.

Aplicar exclusivamente as técnicas de resolução de problemas também contribui para este distanciamento. Ao fazer matemática, é necessário pensar, organizar, classificar, intuir, para através das hipóteses, ensaios, erros e comparações, organizar o caos inicial de uma situação problema e então propor uma solução, seja este um problema puramente matemático, seja ele um problema do cotidiano que requer o domínio dessas mesmas habilidades em sua resolução. É dessa matemática que um aluno deve se alimentar.

*Professor de Matemática do Ensino Médio e autor da Rede Católica

Fonte: revista LINHA DIRETA – Educação por escrito, publicação mensal da Fundação Universa, de fevereiro de 2009.

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