Entrevista com Pedro Simon


Entrevista a Sílvio Ribas (Brasil Econômico) em 10/04/10


"Ética na política deve ser bandeira da sociedade"

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) duvida da capacidade dos parlamentares depurarem suas próprias práticas e, para isso, defende a eleição de uma assembleia constituinte independente. Considerado o último autêntico do MDB, como ainda se refere ao seu partido, o senador gaúcho está decepcionado como nunca com as instituições democráticas, sobretudo o Congresso. "Essa turma do (José) Sarney, do Renan (Calheiros), do Jáder (Barbalho), e do Geddel levou a isso", desabafa nessa entrevista ao Brasil Econômico. A manobra para adiar a votação na Câmara do projeto de iniciativa popular que pede "ficha limpa" aos candidatos nas eleições foi para ele "a prova final de que os donos de mandato não têm condições ou vontade para reformar e depurar as práticas políticas". Por achar que a maioria dos parlamentares legisla em causa própria, Simon defende como "única saída" uma constituinte exclusiva para elaborar, por um ano, a reforma política. Aos 80 anos, ele promete encerrar a carreira em 2015. Até lá, espera continuar inspirando a juventude. "A mocidade precisa ir pras ruas, voltar os cara-pintadas e se mobilizar na internet como fizeram os eleitores do Obama".

Brasil Econômico - O senhor não fica chateado ao ser rotulado pela mídia como um dos quatro defensores intransigentes da ética e do decoro parlamentar num plenário com 81 senadores?
Pedro Simon -
Fico triste com a desconfiança que se abate sobre as instituições democráticas, sobretudo o Congresso. A manobra para adiar a votação do projeto de iniciativa popular, com mais de 1,5 milhão de assinaturas, da ficha limpa na Câmara foi a gota d'água. Uma decepção não apenas para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas para todos aqueles que querem depurara a vida política, defender a ética e o decoro. O Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara, até tentou colocar o projeto em votação, mas topou com as pressões da Casa. Posso dizer que essa foi mais uma prova de que os donos de seus mandatos não têm mais capacidade de reformarem as práticas políticas em favor da ética. A maioria dos parlamentares só vota em causa própria e, se dependermos dos atuais eleitos, a política não muda. Por isso, acredito que a única saída está na convocação de uma assembleia nacional constituinte, dedicada exclusivamente para tratar das reformas política e tributária, num período de um ano. Pareço estar repetindo a luta de Dom Quixote contra os moinhos, mas vou dedicar mais alguns anos à minha missão. Tenho 80 anos e achei que estaria deixando a política agora. Mas espero ir até o fim do mandato, em 2015. Também aos 85 tenho mesmo que aposentar, não é?

BE - Quais mudanças deveriam ser debatidos numa eventual reforma política?
PS -
O mais importante é dar capacidade ao povo de fazer as escolhas. Na hora da votação é um massacre de alguns muito votados contra tantos outros. Hoje temos uma democracia, mas ainda há muita dificuldade em se aproximar o eleitor do eleito. Talvez um sistema distrital misto, como o que existe na Alemanha, seja uma solução para o Brasil. A questão da lista partidária de candidatos também deve ser debatida, embora ache que o mais importante é limitar a existência de tantos partidos sem qualquer razão de ser.

BE - O que o senhor acha do instituto da reeleição?
PS -
Acho que ela criou distorções ainda maiores na política brasileira. Sempre fui contra. Se há um grande momento na gestão do presidente Lula foi ele ter rejeitado a proposta de um terceiro mandato. Do alto da popularidade de 80% ele foi feliz em não aceitar o que os companheiros pediam. Não podemos perder de vista os princípios da ética, da moral, da coisa pública. A democracia pede isso.

BE - O senhor, que representa a emenda Ibsen no Senado, acredita que a redistribuição dos royalties do pré-sal pode ser aprovada este ano?
PS -
Lamentavelmente, com a força que tem no Senado, o governo se mobilizou e faz tudo para jogar a votação sobre a distribuição dos royalties para depois das eleições ou até para 2011. O primeiro movimento neste sentido foi nomear o Renan (Calheiros, PMDB-AL) como relator. Eles vão fazer tudo para não colocar em votação o projeto como veio da Câmara, que aprovou a Emenda Ibsen. Seria uma derrota difícil, que não querem ver. Fiz uma emenda compensar os estados produtores das eventuais perdas com as mudanças na lei, retirando na parte da União. Ninguém quer prejudicar o Rio de Janeiro ou qualquer estado. Gostaria apenas de retomar a discussão sobre a reforma tributária, corrigindo erros cometidos desde a edição da Lei Kandir, para compensar estados exportadores. Confesso que esperava uma mobilização maior nos estados em torno da emenda do deputado Ibsen Pinheiro, pois esse é o desejo de 24 das 27 unidades da federação.

BE - O senhor ainda se refere ao seu partido ainda como MDB, a legenda da oposição no bipartidarismo da ditadura. O PMDB não continua sendo uma frente?
PS -
Éramos, sim, uma frente com um objetivo: acabar com a ditadura. Cumprimos a missão e a democracia não corre qualquer risco de retrocesso. Mas, com toda a sinceridade, fui contra a extinção do MDB e da Arena e a reformulação partidária feita antes de uma assembléia nacional constituinte para, seis meses depois, escolhermos os partidos que iríamos ter. Não é possível se fazer o jogo democrático com dezenas de partidos sem consistência. Do ponto de vista do conteúdo, o próprio PT, que realiza um bom governo, faz o mesmo que o PSDB. E porque o MDB deve ser cobrado por agir como frente? O problema começou com essa turma do (José) Sarney, do Renan (Calheiros), do (Romero) Jucá, do Jader (Barbalho). Pode ver: é a mesma que apoiava o governo anterior e continuou apoiando o governo do presidente Lula.

BE - Com esse grau de descrença geral na política, como o senhor vê as eleições presidenciais de 2010?
PS -
Curiosamente, as eleições presidenciais deste ano trazem fatos positivos e a promessa de ser magnífica. Tanto o governo quanto a oposição escolheram os seus melhores nomes que têm para disputar a Presidência. O PT não encontraria outra opção superior à ex-ministra Dilma Rousseff e as qualidades do ex-governador José Serra (PSDB-SP) estão acima das do Fernando Henrique. Além disso, temos a presença da senadora Marina (Silva, PV-AC), dona de uma belíssima biografia. São candidaturas que valorizam o debate, bem diferente da confusão que elegeu o (Fernando) Collor de Mello (1989). Se me pergunta quem apoio, repito que ainda defendo a candidatura própria do PMDB à Presidência da República. Andam dizendo que o Roberto Requião desistiu, para concorrer ao Senado, mas não é verdade. Os peemedebistas dos estados do Sul têm essa opinião, que deverá ser levada à convenção nacional em junho. A candidatura própria poderia resgatar a credibilidade do MDB, arranhada por um mesmo grupo que vem disputando cargos no governo desde os tempos do Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

BE - Qual mensagem o senhor deixa para os jovens que querem influir na política?
PS -
Precisamos como nunca dos cara-pintadas. A mocidade tem de ir pra rua. E quando os estudantes entram em cena, tudo muda. Veja só o exemplo de Brasília. Eles derrubaram o reitor da universidade (UnB) e agora o governador e o vice-governador. Fiz questão de exibir na tribuna as fotos que estamparam as manifestações dos jovens de Brasília, enfrentando os soldados da Polícia Militar. A comparação com a imagem dos protestos de estudantes chineses na Praça Celestial foi muito feliz. Tenho esperança na mocidade. A sociedade, quando se manifesta, muda tudo. Espero que a reforma política, elaborada por uma assembléia nacional constituinte independente, se torne uma bandeira da sociedade. A OAB e a CNBB já vem caminhando nessa direção. Lamento que atualmente a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as centrais sindicais, como a CUT, tenham se compromissado tanto com o governo, sendo financiadas pelo governo. Elas perderam o brilho e o papel importante que tinham.

BE - A internet também pode ser um espaço de mobilização da juventude?
PS -
Sem dúvida. A internet tem um potencial altíssimo de expressão e mobilização da mocidade. E o melhor exemplo disso foi a eleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Ele venceu a disputa interna do Partido Democrata contra a também senadora Hillary Clinton, apesar de ela ter um grande domínio que ela tinha da máquina partidária. Além de buscar esse exemplo de envolvimento da sociedade na disputa política e eleitoral, temos de encarar o desafio de mudar a forma como os partidos funcionam no Brasil. Os partidos precisam ter identidade própria e servir de opção real para o eleitor. Precisam ser autênticos.

NB: Tive a honra de também entrevistar o senador Jéfferson Peres (PDT-AM), falecido em 2008, e considerado um dos últimos éticos do Senado.

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