Uma web de exibicionistas

By Robert J. Samuelson

Podem chamá-la de exibicionet. Acontece que a internet desencadeou o maior surto de exibicionismo em massa da história humana. Nem todo mundo pode ter, como sugeriu Andy Warhol, 15 minutos de fama. Mas todos têm o direito correr atrás de seus 15 minutos, ou 30, 90 ou muito mais. Temos blogs, sites de 'relacionamento' (MySpace. com, Facebook), YouTube e todos seus rivais. Tudo nesses sites é um clamor por atenção: olhem para mim, escutem-me, riam comigo - ou de mim.

Já não se trata de um comportamento limitado a alguns. O MySpace tem 56 milhões de 'membros' americanos. O Facebook - que começou como um site para estudantes universitários e se expandiu para alunos do colegial e outros - tem 9 milhões. (Para os não-iniciados: o MySpace e o Facebook permitem a seus membros inserir páginas pessoais com fotos e textos.) Cerca de 12 milhões de americanos adultos (8% dos usuários da internet) são blogueiros, estima o Pew Internet & American Life Project. O YouTube - um site onde qualquer um pode postar vídeos domésticos - diz que 100 milhões de vídeos são vistos diariamente. O exibicionismo é hoje um grande negócio. Em 2005, a News Corp. de Rupert Murdoch comprou o MySpace por anunciados US$ 580 milhões.

Todos esses sites visam a ganhar dinheiro, principalmente com anúncios e tarifas. O interessante do ponto de vista cultural e político é que sua popularidade contradiz a crença de que as pessoas receiam que a internet acabe violando seu direito à privacidade. Na realidade, milhões de americanos estão alegremente abrindo mão de seu direito à privacidade - ou, pelo menos, comprometendo-o. Eles estão postando material pessoal e íntimo em locais onde milhares ou milhões podem vê-lo.

As pessoas parecem mais desejar popularidade ou celebridade que temer a perda de privacidade. Parte dessa extroversão não passa de autopromoção vulgar. A internet é uma maneira barata de divulgar idéias e projetos. Qualquer um pode postar um vídeo no YouTube de graça; pode-se abrir um blog grátis (algumas empresas não cobram para 'hospedar' um site). Na semana passada foi revelado que uma popular série de vídeos, Lonelygirl15, no YouTube era um script escrito por três aspirantes a cineasta, e não meditações aleatórias de uma adolescente.

Mas a exibicionet é mais que um instrumento de marketing. O mesmo impulso que leva pessoas a expor sua intimidade no Jerry Springer ou participar de reality shows na TV (The Real World na MTV e afins) agora achou onde dar vazão em massa. O público-alvo do MySpace tem de 18 a 34 anos; muitas páginas são orgulhosamente obscenas. O US News & World Report recentemente descreveu o MySpace como 'um lugar onde todas as mulheres são fáceis (e) os homens, uns beberrões'. A blogosfera costuma ser vista principalmente como uma arena política. Isso é um mito. Segundo estimativas do Pew, a maioria dos blogueiros (37%) se concentra em 'minha vida e minhas experiências pessoais'. Política e governo estão num distante segundo lugar (11%), seguidas por entretenimento (7%) e esportes (6%).

Mesmo esses números podem exagerar a importância da política. Metade dos blogueiros diz que está mais interessada é em se expressar 'criativamente.' Auto-revelação e atitude são o que parece realmente atrair.

Heather Armstrong mantém um dos blogs pessoais mais populares (Dooce.com). 'Nunca tomei uma xícara de café até os 23 anos', escreve ela. 'Fiz sexo pré-marital pela primeira vez aos 22 anos, mas, por Deus, esperei mais um ano pelo café.' Ela começou o seu blog em 2001, foi demitida do emprego de web designer em Los Angeles por escrever um livro sobre trabalho ('Meu conselho a você é não seja assim tão estúpido'), virou 'uma bêbada desempregada', casou-se e mudou para Salt Lake City, onde teve uma filha.

Heather Armstrong é uma escritora graciosa e muitas vezes engraçada. ('Não sou mais uma mórmon praticante ou alguém que acredita que Rush Limbaugh fala com Deus. Minha família está compreensivelmente desapontada.') O popular site agora tem tantos anúncios que o marido dela largou o emprego. Postagens recentes incluem uma ode à sua filha de 2 anos, uma história sobre seu cachorro e um link para o livro de sua amiga Maggie, No One Cares What You Had for Lunch: 100 Ideas for Your Blog. Idéia nº 32: romper. Naturalmente, Armstrong nele expõe seus relacionamentos fracassados.

Até certo ponto, os blogs e sites de 'relacionamento' representam novas formas de batepapo eletrônico - extensões do e-mail e da troca instantânea de mensagens. O diferente é a indisfarçável paixão pela autopropaganda. Mas mesmo entre os adeptos há dúvidas ocasionais sobre se isso é vantajoso. O Facebook recentemente anunciou um novo serviço. Seus computadores vasculhariam regularmente as páginas de seus membros e mandariam manchetes sobre as últimas postagens para as páginas dos amigos destes. Choveram protestos. Imagine que sua namorada resolva dar-lhe um chega pra lá. A potencial manchete para seus amigos: Susan deu o fora no George. Inúmeros estudantes consideraram ameaçadoras a implacável bisbilhotice eletrônica e a transmissão automática de mensagens - 'sorrateiras', como muitos colocaram.

O Facebook mudou o serviço para permitir que seus membros optem por ficar de fora. A realidade maior é que o exibicionismo de hoje pode durar toda a vida. O que entra na internet geralmente fica na internet. Algo que hoje parece inofensivo, tolo ou meramente impetuoso pode tornar-se ofensivo, estúpido ou imprudente em duas semanas, dois anos ou duas décadas. No entanto, estamos claramente num momento especial. Thoreau observou que 'a maioria dos homens leva uma vida de tranqüilo desespero'. Graças à tecnologia, isso não é mais necessário. As pessoas agora podem levar uma vida de ruidoso e ostensivo desespero. Ou, pelo menos, podem tentar.


Robert J. Samuelson, economista, é colunista do jornal The Washington Post

Fonte: "O Estado de São Paulo, 23/09/06

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