Ideia que começou a vingar

Reproduzo abaixo o projeto que apresentei no início desta década a diversas autoridades da minha região. Ele já conseguiu iniciar a construção de um pólo turístico novo no país, baseado na literatura, a exemplo de Praga, que enaltece seu herói maior das letras, Franz Kafka. Nosso herói aqui se chama João Guimarães Rosa. Uma das etapas fundamentais que sugeri no texto Sertão Próspero, analisado na Assembléia Legislativa e nas prefeituras de Curvelo e Morro da Garça, já vingou: a criação do Circuito Turístico Guimarães Rosa. Mas há ainda uma longa estrada por ser percorrida. Vejamos os meus palpites:

SERTÃO PRÓSPERO
Esboço de projeto para a criação do Circuito Turístico Guimarães Rosa

Sílvio Ribas
Jornalista

“Nonada. (...) O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? (...) Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde um criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. (...) Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda parte.” (Grande Sertão: Veredas)


PROSA INAUGURAL

A economia de Curvelo precisa se expandir e se diversificar para garantir oportunidades de trabalho às novas gerações e uma maior arrecadação de impostos à Prefeitura para que haja investimento público na qualidade de vida de seu povo. A mudança de perfil produtivo da agricultura e a concentração social e regional de renda, além de outros fatores econômicos em escala nacional e global trouxeram travas ao desenvolvimento do município. As estatísticas não deixam dúvidas: a limitação de verbas para se investir na promoção social e na geração de emprego e de renda deve-se a questões não só políticas. O problema maior está na falta de estratégias dos governantes e dos empresários voltadas para a busca de alternativas e, assim, recriar um ciclo virtuoso aos empreendimentos curvelanos. Antes de tudo, é preciso conclamar a velha coragem sertaneja para ousar e fazer dessa cidade um pólo regional de desenvolvimento a partir de uma série de novas iniciativas.


O PODER DA IDÉIA

Feito esse quadro sem detalhes técnicos, dirijo-me às autoridades do município e a todos os cidadãos interessados no progresso para pedir sua avaliação de uma idéia, um projeto que, acredito, fomentará a economia regional, projetará a imagem e a cultura de Curvelo no cenário brasileiro e internacional, e até fortalecerá a auto-estima de seus habitantes. “Sertão Próspero – Projeto para a implantação do Circuito Turístico Guimarães Rosa”, aqui pincelado, visa criar algo novo a partir de tudo aquilo que já existe há meio século nos livros de João Guimarães Rosa, em particular o “Grande Sertão: Veredas”, a natureza e a história das cidades envolvidas. A implantação deste projeto levaria três anos e o retorno maior viria uma década após seu lançamento oficial. Os investimentos ainda estão por ser orçados, mas, suponho, serão bem menores do que o imaginado graças à disposição local de recursos humanos e a ênfase ao trabalho em parceria com empresas, órgãos públicos, entidades civis e a própria sociedade.

OBJETIVO

A ideia me surgiu bem antes de aparecer a Estrada Real, o maior projeto de fomento turístico tocado em Minas Gerais na atualidade. Criar um novo circuito (a exemplo de outros já formados por grutas, fontes hidrominerais e cidades históricas do Ciclo do Ouro) me parece razoável geográfica e estrategicamente. A área formada pelo consórcio de municípios do Alto Médio São Francisco ou do grupo a ser definido por uma pesquisa nas obras de Guimarães Rosa seria ratificada em âmbito legal e institucional, além de figurar no plano e calendário turísticos dos governos nos três níveis.

O Circuito Roseano seria explicitamente inspirado no mundo mitológico criado pelo genial escritor da vizinha Cordisburgo. Por conta disso, os lugares participantes enalteceriam os aspectos sócio-culturais, históricos, urbanísticos e ecológicos que definem a região como especial e “roseana”. Seriam estruturados desde trilhas para passeios a pé e a cavalo por cenários descritos na literatura até monumentos como estátuas do autor e seus personagens, museus e marcos históricos, passando por festivais de culinária, música e trovas. Além disso, sugiro muitos suvenires com sua marca.

Ressalto aqui a geração de emprego nas áreas hoteleira, transporte, artesanato e comércio. Uma idéia adicional seria promover encenações ao ar livre de fatos históricos de Curvelo ou inspirados na obra de Guimarães Rosa, a exemplo do que ocorre na “Tomada de Laguna” (SC) e em “Nova Jerusalém” (PE). Em resumo: proponho criar algo para paulista e gringo ver (gastar). A iniciativa resgata oportunidades perdidas no passado, como a produção da minissérie da TV Globo nos anos 80 (“Grande Sertão: Veredas”), além de ser a evolução de tentativas anteriores, como a campanha que salientava o caráter central da região (Curvelo – O coração de Minas). Prefiro o conceito de portal do sertão, que já é usado pelo site wwww.curveloportaldosertao.com.br.

O novo circuito também preencheria uma lacuna existente entre Diamantina, patrimônio histórico da humanidade, e Cordisburgo, com suas referências óbvias a Rosa e sua gruta de Maquiné. Além de beneficiar esses dois destinos turísticos, a valorização desse espaço físico e social criaria novos pontos de visitação, de hospedagem e de consumo. Curvelo seria a sede desse circuito por ser o maior município da região, ter a melhor infra-estrutura de serviços e liderar as mudanças exigidas pelo projeto de implantação. Esse circuito eco-literário e roseano amarraria também outros atrativos próximos dos curvelanos, como as fontes termais de Santa Bárbara e de Curumataí. Nas linhas seguintes exponho resumidamente dez passos a serem seguidos pelo projeto. Seu detalhamento e ajustes dependerão do debate entre coordenadores e destes com os municípios consorciados.


DEZ PASSOS

1 – EQUIPES: Criação de um comitê coordenador de alcance regional. Dividi-lo em subcomitês, inicialmente de pesquisa de depois de coordenação – histórico, infra-estrutura e negócios de turismo, ecologia, cultura e costumes regionais (aqui deveria haver um esforço maior para o estudo literário de Guimarães Rosa).

2 – PACOTE LEGAL: A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais analisaria o projeto de lei criando oficialmente o Circuito Turístico Roseano, que seria confirmado por sanção do governador. A partir daí, a região delimitada receberia todo o amparo previsto por leis e seria incorporado ao planejamento do turismo no Estado. Em nível regional e municipal, tocar gradualmente (etapas) ou em conjunto (geral) realizar as mudanças coordenadas dos nomes das ruas e praças para homenagear personagens e lugares presentes nos livros do escritor João Guimarães Rosa. Exemplo: a Avenida Pedro II poderia se chamar Avenida Diadorim.

3 – PACOTE VISUAL: Harmonizar o padrão visual de casas, praças, prédios, calçadas e espaços públicos para instituir na paisagem urbana detalhes que façam referência ao aspecto sertanejo e aos ambientes descritos pelos livros. Exemplo pode ser seguido pela própria primeira casa de Curvelo, cor branca, detalhes em azul e mourões de madeira. Placas com trechos dos livros de Rosa é uma sugestão. Isso tudo inclui, obviamente, o programa de estímulo à conservação e restauração de construções com valor histórico. Para ilustrar o que se pretende, ganhar dinheiro com a identidade local explícita, observemos o panorama visual de cidades como o aspecto europeu das serras gaúchas (Gramado e Canela) e paulistas (Campos do Jordão), da tradição alemã do Vale do Itajaí (Blumenau), o forró de Campina Grande (PB) e o charme montanhês do Sul de Minas. A organização e a parceria entre setores público e privado em Bonito (MT) também servem de modelo. Em nível de produtos, essa padronização pode vir em rótulo de origem para cachaças, doces de frutas, trajes de vaqueiro, apetrechos de vaqueiro, artesanato etc.

4 – PÓRTICO DO SERTÃO: Para ser o carro-chefe das transformações físicas de Curvelo e região a partir deste projeto, proponho um outro projeto dentro do projeto, que resultará em um marco monumental e cultural de todas as esperanças nele depositado. Trata-se da montagem de um arco em aço sobre a rodovia BR 040, com o maior vão livre possível (15, 20, 30 metros), obra executada pela Usiminas Mecânica. O Portal do Sertão teria um visual arquitetônico típico, estilizado, talvez como um portão de fazenda antiga ou de um par de mãos formando o perfil de uma ogiva. Além da Usiminas, o Ministério dos Transportes e o governo mineiro seriam parceiros óbvios do projeto. De inspiração, a moderna ponte recém-inaugurada sobre o Lago Paranoá (Brasília) e o colossal arco em Ouro Branco (próximo à Açominas). Essa é a meta-síntese, como diria JK.

5 – SISTEMA DE INFORMAÇÃO E TREINAMENTO: A divulgação do projeto em escala nacional e internacional precisa ser tratada com a seriedade e a estratégia devidas. Ela é que garantirá a atração de recursos privados, na forma de empreendimentos turísticos (hotéis e traslados). A integração regional, os debates e o banco de informações seriam centralizados na Secretaria de Lazer, Esporte e Turismo da Prefeitura de Curvelo. O amplo debate com a sociedade (a maior beneficiada ao final) enriqueceria o processo de construção dos conceitos, da descoberta de deficiências e da motivação geral. Sugiro uma parceria com o Sebrae de Minas, universidades e círculos literários, trazendo gente entendida (exemplo: os especialistas em Rosa da USP), além de inspirar documentários (como o Nomes do Rosa, de Pedro Bial, e outro em curso sob patrocínio da V&M, produzido pela Ciclope). Um parceiro potencial pode ser o Projeto Manuelzão, da UFMG, movimento em defesa da Bacia do Rio das Velhas.

6 – MUSEUS E MARCOS: Entre os museus temáticos a serem criados para abrigar e promover a história da cidade e região, algumas sugestões como Museu do Tropeiro, Museu da Religiosidade Sertaneja, Museu do Ecossistema do Cerrado (Acervo que poderia ser herdado do laboratório criado pela então Mannesmann Florestal, da atual V&M do Brasil), entre outros. O primeiro deles já existe, que é o da Casa de Guimarães Rosa, em Cordisburgo, que seria devidamente integrado aos demais. O atual Museu na antiga estação ferroviária se integra automaticamente a este projeto, reforçando seu papel. Além dos museus municipais dedicados ao patrimônio histórico, cultural e natural, sugiro ainda a criação de novos pontos de visitação a partir dos restos mortais do fundador Padre Antonio Corvello de Ávila. A mudança para um Mausoléu enriqueceria as lendas em torno do personagem histórico, além de fornecer na exumação mais dados sobre o próprio. Outro ponto seria a reestilização da rua Zuzu Angel, com fechamento do quarteirão, tornando-o um shopping da moda a céu aberto.

7 – CALENDÁRIO: Todo esse planejamento dependerá do estabelecimento de um calendário de implantações e de eventos permanentes ou especiais. Além das festas conhecidas, como o Forró de Curvelo e a Oitava de São Geraldo, poderíamos acrescentar outras como o Dia do Padre Corvello. Sublinho a idéia de se criar um novo personagem para o imaginário da cultura popular brasileira, ao lado de Chica da Silva, Dona Beja, Padre Cícero (Padim Ciço) e Antônio Conselheiro. Em resumo: vamos mitificá-lo.

8 – PUBLICAÇÕES: O primeiro dos materiais editados em apoio ao projeto pode ser um mapa, ricamente detalhado, da região abrangida pelo Circuito Roseano. Outras idéias vão de uma revista periódica até a edição de um Dicionário Roseano, com os milhares de neologismos criados pelo gênio da literatura. Nisso se inclui todas as iniciativas populares, como cordéis e livros de culinária sertaneja.

9 – AÇÕES DE MÍDIA E DIVULGAÇÃO: A estratégia de relações públicas e de comunicação social deve ser uma das bases do projeto. É fundamental para seu sucesso haver uma ação de abordagem a todos os jornalistas ligados às áreas de Turismo & Viagens (em primeiro lugar), Cidades/Gerais/Minas/Interior, Economia e Política (tramitação da lei para criar o circuito). É importante que a iniciativa seja difundida em jornais, revistas, rádio, televisão e Internet. Em outras palavras: é preciso listar esses alvos, produzir material informativo para tal público e criar estrutura para atendê-lo. A web, no portal citado anteriormente, já teria por si só um papel importante de apoio à imprensa e de divulgação do calendário. A divulgação mundial na rede de computadores favorece também a integração regional, os debates e o banco de informações seriam centralizados em um site, o Portal do Sertão. Em apoio, seriam realizados eventos como seminários, encontros e debates em Curvelo, Assembléia Legislativa e até exterior (A Alemanha é fã de Rosa).

10 – INFRA-ESTRUTURA: Além do Portal do Sertão citado anteriormente, a duplicação da rodovia federal 040 no trecho que liga Belo Horizonte a Curvelo seria o ponta-pé ideal para os investimentos em infra-estrutura de transportes e turismo. Mas é pouco provável. O certo é que até o trevo para Brasília isso deverá ser concluído, o que já ajuda muito. Falta ainda torcer pela recuperação do trecho da MG 135, em pior estado. De resto, todas as obras de saneamento básico (essencial) e a conclusão do projeto de levar luz a 100% da zona rural são bem vindas.


NOTA FINAL

O turismo é uma importante vocação econômica dos municípios próximos da capital mineira. A região metropolitana de Belo Horizonte tem registrado, segundo a Associação Mineira de Municípios, expressivo aumento no turismo rural, com pousadas e hotéis-fazenda em pequenas e médias propriedades surgindo como alternativa ou reforço ao agronegócio. Produtores de cachaça artesanal, organizados em cooperativas e associações, estão finalizando estudos para viabilizar o Roteiro da Cachaça, um tour por fazendas e alambiques. Diferentes formas de turismo, como o religioso e as feiras de cristais, são complementares e aproveitam da mesma infra-estrutura urbana e da rede de serviços.

Os turismos de negócios e o ecológico também crescem e se estruturam, incluindo as grutas de Maquiné (Cordisburgo), Rei do Mato (Sete Lagoas) e Lapinha (Lagoa Santa), além do tradicional turismo histórico, em Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João del Rey, Congonhas e Caeté. Tudo isso reforçado pelo Instituto da Estrada Real, lançado na Semana Santa de 2003. Exemplo recente foi iniciativa das prefeituras de Formiga e Arcos em viabilizar viagens de um trem turístico entre as cidades. Itabira se prepara para ganhar um portal assinado por Oscar Niemeyer. Não podemos perder essa onda que contagia os quatro cantos do mundo. Vamos nos orgulhar de nossas veredas ao cair da tarde, da majestade da Basílica de São Geraldo, da cultura abrigada na Estação Ferroviária e das linhas bem traçadas do velho Rosa.

Este projeto resgata e promove o sonho de um grupo de jovens curvelanos que, no final da década de 1980, ousou debater com a sociedade o progresso de sua cidade a partir do incentivo à cultura. Era o ideal da Corporação de Desenvolvimento Cultural, a Codec.

ANEXOS

CIRCUITO TURÍSTICO

O Circuito Turístico compreende um conjunto de municípios em determinada área geográfica, caracterizado pela predominância de certos elementos da cultura, da história e da natureza, com possibilidades de atrair e seduzir turistas. A formação de um circuito pressupõe a identidade e o associativismo entre esses municípios que, na verdade, se consorciam para somar os atrativos, equipamentos e serviços turísticos, com o objetivo de enriquecer a oferta turística, ampliar as opções de visita e a satisfação do turista, com conseqüente aumento do fluxo e da permanência dos visitantes naquela área geográfica, geração de trabalho, renda e qualidade de vida.

Para que ocorra a necessária integração regional entre os municípios de um mesmo circuito, vias de acesso compatíveis são imprescindíveis à complementaridade entre os atrativos, meios de transporte, equipamentos e serviços, e ao fortalecimento da cadeia produtiva do setor turístico. É indispensável, no conjunto de municípios que integram um Circuito Turístico, de pelo menos uma cidade com infra-estrutura necessária para acolher os turistas, e estes, a partir dela, poderem se deslocar para outros pontos de visitação do circuito.

O tipo de organização social que representa um Circuito Turístico é a associação que congrega os municípios a ele pertencentes. O Circuito Turístico é, portanto, uma associação formada por pelo menos um representante de cada município participante. Essa associação tem direção própria e é coordenada por um gestor. Além disso, é focada na implementação de atividades que objetivam o desenvolvimento turístico dos municípios que a integram e amparada por empresas públicas e privadas que se dedicam ao turismo.

Fonte: site www.descubraminas.com.br

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