Nossas samambaias choronas
A jardinagem nunca me seduziu, mas o passar das décadas tratou de colorir minha memória afetiva com o seu verde mais íntimo, plantado lá na infância. Hoje, ao relembrar de casas e quintais do meu Curvelo (MG), evoco plantas daqueles lentos 1970s e 1980s, que reinavam em cantinhos de frescor e ternura.
Quando menino, a flora caseira era companheira constante. Minha família, como tantas da cidade, enfeitava salas e varandas com vasos de todos os tamanhos, onde flores e folhagens compunham cenários de acolhimento. Entre todas, sobressaíam as cascatas de folhas das samambaias choronas.
Pendendo como lágrimas no cair das tardes, as choronas apreciavam a sombra e a umidade. Havia sempre mãos a lhes borrifar água, como quem acaricia um ser de estimação. Elas se multiplicavam em suportes de ferro e em xaxins, cujo nome engraçado jamais esqueci: uma senha da meninice.
Eu via nesses aparadores metálicos esqueletos de robôs guardiões de uma ruína maia. Ao lado deles, havia ainda outras presenças célebres: a costela de adão, de folhas rendadas com traços de um mapa aéreo. É inesquecível para mim o tamborilar da água da mangueira jorrando sobre elas.
Havia ainda os finos hibiscos vermelhos, as alegres margaridas e as místicas rosas de cores e perfumes clássicos. E as espadas de São Jorge, sentinelas longas e agudas; os lírios brancos, gestos de pureza; bromélias exóticas; begônias com desenhos prateados; e violetas e orquídeas na janela da mãe.
Tias-avós plantavam cascas de ovos junto às roseiras, uma alquimia de nutrição cultivada na ancestralidade. Até o cacto de caule robusto no vaso de pedra preta virava árvore de Natal improvisada, ornada de inventividade e de fé. E a velha parreira de uva Niágara virava o nosso pergolado.
Entre sombra e sol, conforto e calor, dentro ou fora da morada, o reino vegetal abrigava hóspedes miúdos: borboletas várias, grilos quase falantes, bandos de caramujos e formigas de lavar pés ou de percorrer longas procissões com galhos, folhas e comidas nas costas. Tudo para animar nossas brincadeiras.
As ruas centrais se fechavam em corredores de fícus, enquanto os fundos dos lares se abriam como canteiros de aquarela. Lembro-me de ter lido O Menino do Dedo Verde e imaginar o meu polegar capaz de fazer o milagre das brotações. Valia até orelha de pau e cogumelo em tronco abatido.
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