Geraldo & Antônio, uma dupla santa

Sílvio Ribas

Falar de Curvelo (MG) é, inevitavelmente, evocar São Geraldo. O santo, tão ligado à cidade, empresta seu nome à majestosa basílica dela, à fé de milhares de devotos e ao fluxo incessante de romeiros vindos de todos os cantos do Brasil — e até do exterior. A presença de São Geraldo está entranhada na cultura e na alma dos curvelanos, muitos dos quais batizados de Geraldo ou Geralda, como bênção familiar.

Mas há um curioso detalhe que nutre o mistério espiritual de Curvelo: o padroeiro oficial do município é outro santo, o português Santo Antônio, igualmente milagreiro, cujo nome era também o do padre Corvello, fundador da cidade e devoto fervoroso do franciscano lisboeta. Assim, a cidade tem por protetores dois santos que, embora distintos, parecem dividir o mesmo altar da devoção popular — uma dupla celestial que rende episódios saborosos.

Não foram poucos os visitantes ilustres que se confundiram com essa duplicidade. Recordo o então presidenciável Geraldo Alckmin, em 2006, que pediu a bênção ao “padroeiro São Geraldo” durante visita à basílica, repetindo a gafe cometida por Ulysses Guimarães, em 1989. O paulista, discípulo de Tancredo Neves na arte da prudência, ainda hoje cita a frase do saudoso estadista mineiro: “São Geraldo não abandona os seus devotos.” Tancredo dizia ter recebido uma graça do santo — tardia, mas generosa.

Entre as histórias pitorescas que guardo, está também a do falecido padre Elberth Tolentino, da Matriz de Santo Antônio. Certa vez, subiu ao palco durante um show do padre Fábio de Melo para corrigir o cantor, que saudara “o padroeiro São Geraldo”. “Tive de ir lá defender o meu santo”, dizia ele risonho, num daqueles gestos típicos de quem serve ao Altíssimo com amor e humor.

Em 2022, Curvelo celebrou os 300 anos da chegada do padre Antônio Corvello de Ávila e da imagem do seu santo de devoção com a inauguração de uma estátua nos fundos da Matriz, no meio da principal avenida da cidade. Já a devoção a São Geraldo vem dos anos 1920, quando redentoristas e fiéis decidiram erguer um santuário monumental no coração de Minas, com mármore de Carrara e uma imagem de madeira trazida da Itália. A fama dos milagres logo transformou o lugar em ponto de peregrinação internacional, e a Basílica de São Geraldo tornou-se o maior templo dedicado ao santo.

Hoje, os padres redentoristas zelam por esse espaço sagrado, que acolhe multidões todos os anos em agosto, mês das romarias e das promessas cumpridas. Ônibus chegam de todos os cantos, e a cidade se veste de festa e transborda hospitalidade, misturando baladas de sinos e fogos, orações e cantorias.

Santo Antônio de Lisboa, nascido em 1195, foi frade franciscano, teólogo e pregador notável. É lembrado por sua eloquência, pela devoção à Virgem Maria e, no imaginário popular, por ser o “santo casamenteiro”. Já São Gerardo Maiella (nome original), nascido em 1726 na região da Basilicata, dedicou a vida à oração e à caridade, tornando-se o protetor das mães e das crianças. Ambos são gigantes da fé — e, em Curvelo, convivem como bons irmãos do céu.

Eu, que comi o pão que Deus amassou na festa de Santo Antônio e a maçã do amor na quermesse de São Geraldo, guardo por ambos sincera devoção. Quantos objetos perdidos encontrei após soltar uma conhecida interjeição local: São Geraldo! Foram eles que ensinaram à minha terra o milagre de viver entre o humano e o divino, entre o altar e o arraial, entre o longe e o perto. E é com orgulho que digo: nasci em uma cidade com dois guardiães no Céu — juntos no coração e na fé de um povo.


 

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