Um idioma mineiro
Eleito o sotaque mais bonito do Brasil, o jeito mineiro de falar guarda mais do que uma sonoridade simpática: é um patrimônio afetivo e cultural. O mineirês se revela em gírias, neologismos e significados próprios para palavras comuns, transformando o português falado em Minas Gerais em um território linguístico único. “Arredar” não é só verbo de dicionário, mas ato cotidiano; “trem” pode ser qualquer coisa, de uma xícara a um problema; e “uai”, interjeição identitária, é senha de pertencimento.
Esse dialeto, que nasceu da mistura entre o português europeu, os falares africanos e indígenas e o isolamento geográfico de várias regiões, preserva arcaísmos que sumiram em outras partes do Brasil. Verbos como “assuntar” (prestar atenção) e “despautério” (desatino) ainda circulam em conversas ou aparecem em textos literários. Ao mesmo tempo, surgem pérolas modernas, como o uso criativo de “agarrado” para designar alguém ocupado ou enrolado.
Com a força das redes sociais, o mineirês ganhou novos palcos. Perfis de humor no Instagram e no TikTok exploram situações cotidianas com expressões típicas, reforçando o orgulho dos falantes. O “ô, trem bão!” virou meme, e frases de bar e de família se transformaram em bordões compartilhados no Brasil inteiro. Essa popularização ajudou a quebrar o preconceito linguístico que, por muito tempo, relegou sotaques regionais à caricatura.
A literatura mineira também é repositório dessas peculiaridades. Autores como Guimarães Rosa, Fernando Sabino e Adélia Prado eternizaram o mineirês em páginas que soam como música da terra. Rosa, em especial, criou uma língua literária que mescla erudição e oralidade sertaneja, provando que o dialeto pode ser instrumento de poesia universal.
Em tempos de globalização, em que a língua tende à padronização, o mineirês resiste como marca de identidade. É jeito de falar, mas também de ser: desconfiado, acolhedor, econômico nas palavras e rico em significados. Vamos, então, assuntar esse trem, porque a prosa é boa demais, sô!

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