Resistência fashion


Na Curvelo (MG) onde nasci e morei, nas décadas de 1970 e 1980, o jeito do povo se vestir nem sempre era ditado por vitrines chiques ou revistas de moda, mas pelo cotidiano de uma gente trabalhadora, em boa parte de origem rural. Era um tempo em que aparência rimava com necessidade, sem deixar de exibir dignidade.

As senhoras de menor renda usavam lenços cobrindo a cabeça, vestidos de tecido básico e sandálias de borracha ou couro. Muitas iam às feiras e às igrejas com mãos calejadas carregando sacolas de pano ou cestas de palha. Havia na vaidade delas o estilo sertanejo raiz, marcado por praticidade e austeridade.

Os homens circulavam com camisas de botão de manga curta, calças de corte reto e cintos baratos. Alguns exibiam chapéu de feltro, outros se adaptavam aos bonés que já começavam a se popularizar. Para caminhar por ruas, becos e avenidas de pedra ou terra, o calçado podia ser sapato gasto ou chinelo ou mesmo nenhum.

Jovens e adultos se deslocavam de bicicleta, com a barra da calça presa por um grampo para não sujar na corrente. A juventude, mais ousada, incorporava fácil novidades: calças boca de sino nos anos 1970, vestes estampadas por silk screen, jaquetas jeans cheias de tachas e camisas com corte arrojado de costureiras locais.

As crianças se vestiam com pano simples, costurados em máquinas Singer que levavam para os quintais. As mulheres inventavam truques para domar o cabelo: meias-calças cortadas viravam toucas para alisar, bobs sob lenços lembravam a Dona Florinda do Chaves e redes de frutas eram “chapinhas”.

As peças íntimas e de dormir seguiam outro padrão, seja industrial ou artesanal. Cuecas samba-canção dos papais e camisolas longas das mamães eram comuns, enquanto a garotada já experimentavam algumas novidades como pijamas acetinados ilustrados com bichinhos e astronautas. Nos pés, meia soquete ou finas de poliéster.

Com o tempo, alguns símbolos de modernidade foram chegando. Nos anos 1980, as polainas, inspiradas nos filmes e nas academias de ginástica, desfilavam por aí. Relógios com coloridas pulseiras emborrachadas e ombreiras de espuma davam pistas de uma geração que queria agitar o dia e a noite.

No inverno, até apareciam blusas de lã grossa, cardigãs e golas rolê. Mas no dia a dia reinava a simplicidade de vestido de chita, havaianas e camisetas de propaganda de candidato a prefeito. O trajar refletia um país sempre em crise, de inflação alta e persistente e de consumo restrito, mas também mostrava uma criativa resignação.

Chegar em casa significava colocar o calção frouxo de elástico na cintura, deixar o corpo livre para se refrescar no tanque, na mangueira ou na sombra mais agradável. Não havia guarda-roupas sortidos, mas peças que tinham memórias, cheiro de sabão em barra e marcas de uso repetido. Pertencimento e resistência eram fashion.

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