Tonho e sua dona
“Minha dona” me evoca ainda a palavra italiana que significa mulher. Mas o que mais me traz à memória nessa expressão é uma figura folclórica de meu passado, o seu Antônio, pequeno proprietário rural vizinho do sítio de meu pai, Maurílio, mais conhecido como Tonho da Dedeca. O sobrenome do apelido dele vinha do nome da esposa, a dona Dedeca, com quem fazia um casal boníssimo e de inspiradora simplicidade.
Matreiro como todo mineiro dos Gerais, toda vez que alguém lhe propunha um negócio — fosse um cavalo manco, uma vaca prenha ou um leitão gordo demais — ele soltava a célebre frase: “Minha dona é que sabe.” A mesma frase servia para quem mostrasse interesse em comprar algo dele, fazendo uma primeira oferta. Dizia isso com a naturalidade de quem coloca um ponto final em qualquer tentativa de pressão.
Se o negociante insistia, ele dava de ombros e repetia: “Ah, não adianta, não. Minha dona é que sabe.” Um personagem rural, num tempo de homens rudes, admitindo que a última palavra era a da companheira. Aquilo era especial. Para mim, bem que podia ter virado divertido bordão de programa humorístico da tevê. Bastava ser dito para tornar qualquer negociação do comprador ou vendedor em algo favorável para o outro lado.
Era impossível não rir do jeito do Tonho. Mas, pensando melhor, talvez ele fosse um homem de negócios nato, reconhecendo limites. Talvez soubesse que, no fundo, negociar é mais arte do que ciência, incluindo saber delegar. Hoje, quando penso no Tonho, lembro da frase “minha dona é que sabe” como desculpa para escapar de maus negócios. Mas também é o tributo disfarçado à mulher que compartilhava com ele durezas e alegrias da vida.
Uma última do Tonho: num dia quente no nosso Sítio Vereda, ele soltou um grito agudo perto da cisterna. A correia do motor da bomba soltou-se e chicoteou a orelha do vizinho. Corremos para ajudar e, na falta de álcool para desinfetar o talho, oferecemos uma garrafa de cachaça. Tonho, com a mão na orelha, não perdeu o bom humor. “Um gole também ajuda a anestesiar a dor”, apressou-se em dizer, enquanto estendia a mão.
“Doeu, seu Tonho?”, perguntou mamãe, Meire, tentando esconder a preocupação. Ele deu um suspiro profundo, virou a dose na orelha como quem não tem tempo a perder, e respondeu: “Mas foi demais, dona. acho melhor matar a garrafa de uma vez, só pra garantir!” E assim, o incidente virou mais um bordão do seu Antônio.
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