Minhas velharias

Sílvio Ribas

Confesso que ainda me surpreendo quando alguém me trata por “senhor”. É verdade que sinto um certo orgulho e gratidão pelo respeito, pela polidez, pela consideração envolta na palavra. Mas, ao mesmo tempo, percebo que existe um jovem dentro de mim que reluta em ser visto como alguém “mais velho”, ainda que eu não tenha exatamente atingido o status de “idoso”. 

Ocorre que pertenço a uma geração de transição entre séculos e milênios, que testemunhou uma mudança intensa e rápida na forma de se relacionar com o mundo, de viver e de compreender o cotidiano. 

Somos aqueles que escreveram cartas à mão, que datilografaram em máquinas, que ouviram o som das fichas caindo nos orelhões. E hoje, nos vemos em meio ao universo digital, lidando com a velocidade dos bits, das mensagens instantâneas, das buscas na internet e, mais recentemente, com a inteligência artificial. 

Adaptamo-nos, e aprendemos a manejar essa rapidez tecnológica, mantendo ainda uma certa sabedoria à moda antiga — aquela mesma que víamos nos “mais velhos” que nos antecederam.

E, diante de minhas “velharias”, descubro que elas não são apenas objetos de um uso ultrapassado ou em desuso. Elas são parte de quem eu sou. Gosto de ler no papel, de sentir o aroma do café coado, de conversar pessoalmente. Gosto também de observar como o cenário político, tanto nacional quanto mundial, influenciava pensamentos e tensões décadas atrás. 

Sinto orgulho em partilhar como e por que tantas coisas foram — e ainda são — do jeito que são, com base nas experiências que vivi e nas que observei ao longo dos anos. Caminhar pela vida com o entusiasmo de quem ainda aproveita os dias com plena vitalidade, mas também carregar os cabelos brancos como testemunho privilegiado de quem atravessou eras, é algo que considero fascinante. 

Minhas velharias não me fazem ultrapassado. Elas me colocam no presente, um presente que dialoga com o futuro. São um emblema de um ser integrado, consciente, e de camadas complexas e interessantes. Afinal, bendita é minha geração cinquentenária, que tanto viu e aproveitou, e que ainda tem fome de ousar e descobrir. “Massa demais”, como diríamos lá nos anos 1980.


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