Peregrinos sem rumo



 

Na época dos antigos, como o meu pai Maurílio gosta de dizer, era comum andarilhos à beira das estradas que ligavam nossa Curvelo (MG) a outras paragens. Eles caminhavam sem pressa e sem destino certo, como folhas levadas pelo vento, compondo paisagens urbanas e rurais. A maioria deles era homens velhos, solitários e desmemoriados, que passavam de cidade em cidade, sustentando-se apenas com o que lhes davam pelo caminho e dormindo em abrigos improvisados — uma varanda oferecida por um fazendeiro, o canto de uma venda ou mesmo sob a abóbada celeste.

Um desses peregrinos sem rumo, que cruzavam longas distâncias sem propósito aparente, era o seu Augusto. Pai da minha querida Arminda Marques, que foi como uma segunda mãe para mim, a sua história cruza com a da minha família materna. Arminda era irmã de criação de minha mãe, Meire, e foi ela quem acolheu o seu Augusto quando ele, depois de tanto vagar, resolveu tentar fincar raízes, ainda que provisórias, em um barracão nos fundos da nossa casa no centro da cidade.

Por um período, o andarilho insano ficou quieto, fazendo alguns trabalhos manuais como se o mundo lá fora tivesse enfim parado de chamá-lo. Mas a sua inquietude era maior do que a vontade de estabilizar-se. Não demorou muito para seu Augusto pegar suas sandálias gastas e sair pelas ruas, becos e rodovias, como se precisasse retomar as marchas de alvo incerto. Ele desaparecia sem aviso, com um saco de pano nas costas e a cabeça cheia de pensamentos confusos que ninguém, nem Arminda, nem minha mãe, jamais souberam decifrar.

Numa dessas escapadas, Augusto foi parar em Belo Horizonte. A cidade grande parecia um destino improvável para alguém que sempre preferiu o vai e vem das estradas, maioria de terra. Foram semanas de buscas, até que o encontraram, magro, cansado e com o olhar vago de sempre, tão distante quanto os 200 quilômetros que palmilhou. Não havia emoção em seus parcos relatos, levando à constatação de que, por algum motivo, só precisava caminhar. Talvez fosse a lembrança do passado que não conseguia agarrar ou só o hábito de seguir adiante.

Os tempos mudaram e os andarilhos quase desapareceram. As estradas ficaram mais rápidas, as cidades mais barulhentas e o espaço para caminhar à deriva parece ter se encolhido. A imagem quase medieval dos velhos caminhantes indicava, com seus passos lentos e sem rumo, um lembrete de que a vida é sempre incerta. Às vezes, o movimento, o simples ato de andar, já é uma busca por algo que nem sempre se sabe nomear. A falta dos velhos andarilhos me faz questionar se perdemos algo bom no meio do progresso. Para mim ficou a memória da figura que caminhava sem explicação. Será que ele sabia de algo que esquecemos de notar?

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