O alforge do Jorge


 Lá para os lados de Gouveia, perto de Curvelo e no rumo de Diamantina, vivia Jorge. Nos distantes anos 1930, o então rapaz de mãos calejadas e coração puro se encantou por Ana Maria. Filha de fazendeiros prósperos, a moça tinha beleza e graça que não passavam despercebidas. O tímido Jorge tomou coragem e começou a cortejá-la com o aval dos pais dela, que viam nele um jovem trabalhador e de bons princípios.

Todos os domingos, Jorge vestia sua melhor roupa, montava o cavalo e cruzava as colinas para visitar Aninha depois da missa. O namoro corria bem, com conversas no alpendre e sorrisos trocados à sombra das árvores. A família toda dela gostava do namorado e sempre o recebiam com carinho e hospitalidade. Certa vez, ele foi tomado por uma forte cólica abdominal logo após chegar à fazenda. Com muita educação, pediu licença para sair até a varanda, mas, ao se ver sem penico ou outro recurso, se apressou para improvisar por ali mesmo.

Envergonhado, Jorge aliviou-se em um dos alforjes que trouxera pendurado na sela do seu cavalo. Sentindo a urgência de ir embora antes que alguém percebesse o que havia feito, ele voltou para a sala e se despediu rapidamente. Estava prestes a montar e partir quando a mãe da Ana Maria, uma mulher bondosa e de hábitos generosos, o chamou da porta. “Jorge, meu filho, espera! Fizemos um bolo e temos queijo fresco, vou colocar no seu alforje para você levar.”

Pálido, o homem em apuros tentou disfarçar o pânico. “Ah, dona Conceição, não precisa se incomodar, já está ficando tarde e tenho um compromisso com minha família”. Mas a senhora, determinada, não aceitou a desculpa, encarando como uma desfeita boba. “Que nada, não é incômodo nenhum. Fica quietinho aí que eu já volto da cozinha com a merenda”, avisou ela, já embicando para dentro da casa.

Logo depois se iniciou um breve cabo de guerra, com Jorge já montado tentando, em vão, impedir que a sogra pegasse o alforje. “Deixa que eu levo, deixa que eu boto, dona Conceição”, repetia ele. Mas a força da mãe zelosa fez ela tomar em um gesto rápido o acessório de couro das mãos dele. Ao perceber o peso e o conteúdo, fez uma careta e olhou para Jorge. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, o rapaz partiu em disparada pela estrada, sem olhar para trás.

Desde aquele dia, Jorge nunca mais foi visto nas redondezas. Mudou-se para Curvelo, onde passou a trabalhar em um curtume, levando consigo a lembrança de um amor que não se concretizou e de uma vergonha que se tornou a sua ruína. Ana, com o tempo, casou-se com outro rapaz de Gouveia, mas nunca deixou de rir com as amigas ao relembrar do “Alforje do Jorge”, história que ficou famosa naquela região. Nem todos os namoros acabam em casamento, mas alguns deixam lembranças tragicômicas para entreter as rodas de conversa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise antevista

Jato da Mulher-Maravilha: nada a ver

Guerra fiscal