O ladrão atrás da porta


Só faltou chamar a SWAT. Naquela tarde quente de sábado, no verão de 1981, a tensão tomou conta da minha casa em Curvelo MG). Pré-adolescente, eu, minha família e amigos vizinhos acreditávamos convictamente que havia um ladrão escondido no banheiro.

Um grupo de homens se postou estrategicamente para bloquear a passagem entre o local do suposto foragido e os quartos. Outros ficaram no lado de fora, sob o elevado basculante do banheiro, tentando ver e ouvir movimentações e assistir a tentativa de fuga, captura ou rendição do meliante. Linchamento estava fora da lista.

As negociações, contudo, pareciam não avançar. Tião, um amigo forte e corajoso que morava na rua de trás da nossa Sete de Setembro chegou com um ameaçador pedaço de pau – mais especificamente, uma trave de madeira grossa. Ele estava decidido a encarar e deter o ladrão, assim que desse as caras. O clima ficava ainda mais tenso. Estaríamos perto de um psicopata?

O incidente começou de maneira bem singela. Ao tentar abrir a porta do banheiro, tive uma curiosa surpresa, porque ela se fechou de volta na minha direção logo em seguida. “Que estranho”, pensei. Tentei novamente e o mesmo ocorreu. Empurrei então a porta com a mão e ela encontrou uma resistência firme antes de encostar no rodapé da parede.

Um calafrio correu pela minha espinha ao pensar que um silencioso intruso poderia estar escondido na parte do banheiro ocultada pela porta entreaberta, esperando a chance para fugir, depois de já ter tentado furtar sorrateiramente algo na nossa residência. Pela especulação da dúzia de adultos presentes, o sujeito estaria ali parado por quase duas horas e, se tivesse uma faca, poderia fazer refém quem adentrasse o cômodo.

Foi então que reforços foram chamados. Não me lembro porque a Polícia Militar foi ignorada no caso, sem ninguém ter discado para o 180. Com mais gente no cerco e o amigo herói pronto com sua arma improvisada, as tentativas de diálogo começaram. Como negociador designado, Tião se aproximou da porta e, em tom solene, ordenou que o elemento saísse imediatamente e com as mãos para cima. “Vou contar até três!”, anunciou, como em um filme de ação. Todos prendemos a respiração. “Um... dois... três...” Silêncio absoluto e nada de resposta.

A crise estava no ápice quando, finalmente, o ataque foi deflagrado. O vizinho ergueu sua clave com confiança e invadiu o local com a retaguarda de outros. Foi aí que se deu a grande e embaraçosa surpresa.

No banheiro, em vez de um criminoso perigoso, descobrimos o verdadeiro "culpado": um par de tênis surrado do meu irmão mais velho, esquecido atrás da porta! Ele havia tirado os calçados dos pés antes de tomar banho e os deixado lá, escondidos do campo de visão. Além do volume resistente, o detalhe que nos enganou completamente era a imagem refletida das pontas desses tênis no espelho do armário do banheiro, criando a ilusão de que algo – ou alguém – realmente se escondia lá.

A expectativa de um evento policialesco e traumático rapidamente se transformou em alívio para todos e, depois, muitos risos. E assim, o ladrão imaginário, que quase provocou um drama familiar, virou motivo de piada por anos a fio. Teve alguém que até imaginou que o bandido, se real fosse, apenas trancaria a porta e gritaria "ocupado" toda vez que batessem na porta.

 

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